Saudações literárias, pessoas!
A proposta inicial destas crônicas era um conto, que acabou evoluindo para um - como direi? - pequeno livro. Como escrevi em um post anterior, a história ganhou vida própria, tomando rumos(nem tanto) inesperados. Assim, o clímax da narrativa será ainda no futuro - não sei se próximo ou distante - e em consequência das decisões que o Flávio irá tomar.
Assim, continuem acompanhando esta "saborosa" e divertida narrativa, e vejam o que será...
É com vocês!
17
O
restante da instrução correu sem incidentes. Quando o relógio da
parede frontal do auditório crava nas 12 horas, o sargento Barreto
dá por encerrada a sessão e nos manda formar fila outra vez. Ele
nos conduz novamente até a área do cerimonial e nos coloca em
formação, conforme prometera. Depois disso, sai e volta acompanhado
de um cabo, que se posta ao seu lado nos olhando com raiva. Chama
à frente o dorminhoco e lhe passa uma tremenda descompostura. Em
seguida, dirige-se aos demais de nós:
-
Atenção, farândula! Antes de os senhores provarem pela primeira
vez das maravilhas da culinária militar, irão fazer alguns
exercícios para abrir o apetite, numa saudável confraternização
física com o seu colega "torador"(isto é, dorminhoco,
preguiçoso)! E o exercício de hoje é o "canguru"! O cabo
Cristiano fará a demonstração. - diz, olhando em seguida para
"antigo". Era relativamente jovem, cabelo tipo "escovinha"
e porte físico normal.
O
"rajado" começa o exercício, que funciona assim;
colocam-se as duas mãos na nuca e em seguida, a pessoa se abaixa,
com uma perna flexionada para a frente e outra para trás. Então se
levanta, invertendo a posição das pernas e se abaixando novamente.
Começa com um ritmo de no mínimo vinte repetições por minuto e
vai aumentando gradualmente, geralmente ditado pelo humor do
instrutor. Terminada a demonstração, vem a ordem:
-
Posição de exercício! - ordena o cabo.
E
em seguida:
-
COMEÇAR!
O
dorminhoco não volta para o seu lugar da formação. Fica pagando o
castigo ali mesmo. O cabo Cristiano ouve o que o "jagunço"
lhe diz, e em seguida faz uma expressão de "vou comer seu
fígado" para nós, logo depois que o sargento sai. E
ordena, dois minutos depois:
-
Mais rápido!
O
tempo vai passando; dois, três, cinco, dez minutos... Ao que tudo
indica, o sargento foi almoçar e deixou o seu ordenança
fiscalizando-nos. Isto explica a cara do "feitor". Estava
fulo da vida porque deixou de comer a sua bóia na hora para nos
supervisionar. Depois de quinze minutos, a galera já estava caindo
pelas tabelas. Minhas coxas, nádegas e parte inferior das costas
estavam em brasa. E o sol! Aquele sol do Saara, meu Paí do céu! Os
movimentos ficam mais lentos, as forças se esvaem. A sede me consome
a esta altura, e meus olhos ardem por causa do suor que escorre da
testa e me banha o rosto e o pescoço. E o lazarento nos
esporeando:
-
Vamos cambada! Não dei ordem para diminuir o ritmo! Acelerado! E
além do mais, se não podem com uma "rolha"(missão fácil,
tranquila) destas, como acham que vão conseguir se virar no campo
base?
A
tortura só parou cinco minutos depois, quando nos é dada a ordem de
parar. Estou morto. Minhas pernas tremem e tenho dificuldade de
coordenar os seus movimentos. O cabo manda o recruta de volta para a
sua posição no grupo e diz em seguida:
-
Última forma! - e em seguida - Direita, volver! Para o "rancho".
Marchar!
Saímos
da área do cerimonial pela direita e viramos na primeira alameda à
esquerda, seguindo então em linha reta até um prédio baixo, mais
ou menos em forma de barracão onde se lia, nas já conhecidas letras
verdes: "Refeitório dos praças". O cabo nos orienta a
ficar novamente em fila e aguardar do lado de fora encostados na
parede, o que para nós já tinha se tornado rotina. Começo a ouvir
os sons que vem lá de dentro e a sentir o cheiro da comida. Só
então dou-me conta de que meu estômago estava roendo as tripas. O
"escovinha" volta e nos diz para entrarmos. Quando estamos
dentro do recinto, praticamente todos os que estavam lá dentro nos
olham. Uns de forma discreta e indiferente. Outros com expressões
que variavam de deboche até franca hostilidade.
Por fora aquela edificação obedecia ao padrão geral. Por dentro,
era adaptado para o fim a que se destinava. O piso e as paredes são
revestidos de azulejos brancos e todo o mobiliário é de aço inox,
com exceção das mesas e cadeiras, que são de madeira. Na entrada
do refeitório à direita de quem entra há várias pias lado a lado
para a lavagem das mãos. Logo em seguida uma mesa onde repousam,
encaixadas umas nas outras, bandejas inox com diversas divisões e
uma gamela branca onde estão os talheres. Seguindo-se em frente e
virando à esquerda, há um corredor formado por vários
guardas-corpo metálicos de um lado e de outro por um comprido balcão
onde ficavam os panelões e os taifeiros por trás dele, que serviam
a gororoba.
Quando
chega a minha vez, vou passando na frente daquelas panelas imensas, e
em cada uma delas o "piloto" põe o grude na bandeja como
se jogasse restos na lixeira. O prato do dia era arroz, feijão
preto, carne e salada de repolho, que diga-se de passagem estava tão
grossa que parecia ter sido cortada a machado...Para acompanhar, um
suco qualquer de cor vermelha.
Vou até a mesa onde já
estão o Sandro e o Vinícius. Alegremente me sento não só por
estar com fome, mas também porque depois da "puxada" a que
fomos submetidos, sentar-se era um descanso muito bem vindo. O
Jackson "armário" ainda estava recebendo o seu "pasto"(não
é antepasto "tres chic", é pasto mesmo) e logo se
juntaria a nós. O cheiro até que estava bom, mas quando enfiei a
primeira garfada na boca...que decepção! Um gosto meio que
indefinido, pouco temperado, salobro. De rango feito de qualquer
jeito, com raiva ou desprezo, sei lá. Quando o "jagunço"
se referiu às "maravilhas da culinária militar" estava
sendo irônico, para se dizer o mínimo. Quando fui cortar o pedaço
de carne tive de verificar, descrente, o fio da faca, achando que era
a culpada por não fazer nem cócegas naquele tolete. Aquilo não era
carne, era um pedaço de madeira. Foi o primeiro contato que tive com
a famigerada "carne de monstro". Resolvi tomar um gole do
suco. Outra porcaria. A cor era identificável, mas o sabor não.
Paro por um momento e olho para os demais imediatamente após o
Jackson sentar-se, ocupando o último lugar vago naquela mesa. O
primeiro a se manifestar foi o russinho:
-
Chto uzhasno yeda! - fala de si para si.
-
Outra vez falando em marciano? Traduza, por favor! - faço uma
imprecação.
-
Eu disse: que comida horrível! Ou; que gororoba!
-
Ah, bom! Sou obrigado a concordar. - digo, num muxoxo.
-
Pra mim tá legal. - diz o Jackson, atacando com voracidade o
conteúdo da bandeja.
-
É, está certo. Na obra você deveria comer até pedra. - devolvo.
-
Ô... resmunga ele, com um sorriso maroto de boca fechada, pois
estava lotada.
O
Sandro nada diz. Quando abre a boca, o faz apenas para que as porções
do "gordurame" entrem. Sinal de que para ele está tudo
certo.
Talvez
alguém me pegue no pé, alegando; "olha aí o filhinho da
mamãe, com nojinho da comida do quartel!" Para estes eu digo: Alto lá! Primeiro; desde que minha mãe começou a trabalhar fora - e isso já
faz uns bons oito anos - quem cozinhava lá em casa sou eu. Segundo;
como desenvolvi a arte de ser um "chef" por necessidade,
aprendi a fazer refeições excelentes e bem temperadas mesmo com
ingredientes simples e de qualidade considerada inferior. Assim fica
mais fácil entender o porque deste primeiro contato ser mais
desagradável para mim. Mas enfim, me resigno. É como dizia Ciro, o persa:
"Não
há tempero melhor do que a fome."
Sábias
palavras. Não muito consoladoras, mas sábias.
Continua!
P.S - Críticas, sugestões, dúvidas ou elogios poderão ser colocados nos comentários, ok?
Aquele abraço!
Amando cada vez mais suas cronicas-livro rs, sempre esperando para ver o próximo capitulo...
ResponderExcluirOlá, Vanessa!
ExcluirMais uma vez agradeço pela sua presença por aqui. Bem, depois que esta narrativa terminar, haverão muitas outras histórias sobre diversos outros temas e com outras formas de abordagem!
Apareça sempre que quiser!
Grande abraço!