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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Crônicas de um recruta - parte 17

     Saudações literárias, pessoas!

     A proposta inicial destas crônicas era um conto, que acabou evoluindo para um - como direi? - pequeno livro. Como escrevi em um post anterior, a história ganhou vida própria, tomando rumos(nem tanto) inesperados. Assim, o clímax da narrativa será ainda no futuro - não sei se próximo ou distante - e em consequência das decisões que o Flávio irá tomar.

     Assim, continuem acompanhando esta "saborosa" e divertida narrativa, e vejam o que será...

     É com vocês!


17


     O restante da instrução correu sem incidentes. Quando o relógio da parede frontal do auditório crava nas 12 horas, o sargento Barreto dá por encerrada a sessão e nos manda formar fila outra vez. Ele nos conduz novamente até a área do cerimonial e nos coloca em formação, conforme prometera. Depois disso, sai e volta acompanhado de um cabo, que se posta ao seu lado nos olhando com raiva. Chama à frente o dorminhoco e lhe passa uma tremenda descompostura. Em seguida, dirige-se aos demais de nós:
     - Atenção, farândula! Antes de os senhores provarem pela primeira vez das maravilhas da culinária militar, irão fazer alguns exercícios para abrir o apetite, numa saudável confraternização física com o seu colega "torador"(isto é, dorminhoco, preguiçoso)! E o exercício de hoje é o "canguru"! O cabo Cristiano fará a demonstração. - diz, olhando em seguida para "antigo". Era relativamente jovem, cabelo tipo "escovinha" e porte físico normal.
     O "rajado" começa o exercício, que funciona assim; colocam-se as duas mãos na nuca e em seguida, a pessoa se abaixa, com uma perna flexionada para a frente e outra para trás. Então se levanta, invertendo a posição das pernas e se abaixando novamente. Começa com um ritmo de no mínimo vinte repetições por minuto e vai aumentando gradualmente, geralmente ditado pelo humor do instrutor. Terminada a demonstração, vem a ordem:
     - Posição de exercício! - ordena o cabo.
E em seguida:
     - COMEÇAR!
O dorminhoco não volta para o seu lugar da formação. Fica pagando o castigo ali mesmo. O cabo Cristiano ouve o que o "jagunço" lhe diz, e em seguida faz uma expressão de "vou comer seu fígado" para nós, logo depois que o sargento sai. E ordena, dois minutos depois:
     - Mais rápido!
     O tempo vai passando; dois, três, cinco, dez minutos... Ao que tudo indica, o sargento foi almoçar e deixou o seu ordenança fiscalizando-nos. Isto explica a cara do "feitor". Estava fulo da vida porque deixou de comer a sua bóia na hora para nos supervisionar. Depois de quinze minutos, a galera já estava caindo pelas tabelas. Minhas coxas, nádegas e parte inferior das costas estavam em brasa. E o sol! Aquele sol do Saara, meu Paí do céu! Os movimentos ficam mais lentos, as forças se esvaem. A sede me consome a esta altura, e meus olhos ardem por causa do suor que escorre da testa e me banha o rosto e o pescoço. E o lazarento nos esporeando:
- Vamos cambada! Não dei ordem para diminuir o ritmo! Acelerado! E além do mais, se não podem com uma "rolha"(missão fácil, tranquila) destas, como acham que vão conseguir se virar no campo base?
A tortura só parou cinco minutos depois, quando nos é dada a ordem de parar. Estou morto. Minhas pernas tremem e tenho dificuldade de coordenar os seus movimentos. O cabo manda o recruta de volta para a sua posição no grupo e diz em seguida:
     - Última forma! - e em seguida - Direita, volver! Para o "rancho". Marchar!
     Saímos da área do cerimonial pela direita e viramos na primeira alameda à esquerda, seguindo então em linha reta até um prédio baixo, mais ou menos em forma de barracão onde se lia, nas já conhecidas letras verdes: "Refeitório dos praças". O cabo nos orienta a ficar novamente em fila e aguardar do lado de fora encostados na parede, o que para nós já tinha se tornado rotina. Começo a ouvir os sons que vem lá de dentro e a sentir o cheiro da comida. Só então dou-me conta de que meu estômago estava roendo as tripas. O "escovinha" volta e nos diz para entrarmos. Quando estamos dentro do recinto, praticamente todos os que estavam lá dentro nos olham. Uns de forma discreta e indiferente. Outros com expressões que variavam de deboche até franca hostilidade.
     Por fora aquela edificação obedecia ao padrão geral. Por dentro, era adaptado para o fim a que se destinava. O piso e as paredes são revestidos de azulejos brancos e todo o mobiliário é de aço inox, com exceção das mesas e cadeiras, que são de madeira. Na entrada do refeitório à direita de quem entra há várias pias lado a lado para a lavagem das mãos. Logo em seguida uma mesa onde repousam, encaixadas umas nas outras, bandejas inox com diversas divisões e uma gamela branca onde estão os talheres. Seguindo-se em frente e virando à esquerda, há um corredor formado por vários guardas-corpo metálicos de um lado e de outro por um comprido balcão onde ficavam os panelões e os taifeiros por trás dele, que serviam a gororoba.
     Quando chega a minha vez, vou passando na frente daquelas panelas imensas, e em cada uma delas o "piloto" põe o grude na bandeja como se jogasse restos na lixeira. O prato do dia era arroz, feijão preto, carne e salada de repolho, que diga-se de passagem estava tão grossa que parecia ter sido cortada a machado...Para acompanhar, um suco qualquer de cor vermelha.
     Vou até a mesa onde já estão o Sandro e o Vinícius. Alegremente me sento não só por estar com fome, mas também porque depois da "puxada" a que fomos submetidos, sentar-se era um descanso muito bem vindo. O Jackson "armário" ainda estava recebendo o seu "pasto"(não é antepasto "tres chic", é pasto mesmo) e logo se juntaria a nós. O cheiro até que estava bom, mas quando enfiei a primeira garfada na boca...que decepção! Um gosto meio que indefinido, pouco temperado, salobro. De rango feito de qualquer jeito, com raiva ou desprezo, sei lá. Quando o "jagunço" se referiu às "maravilhas da culinária militar" estava sendo irônico, para se dizer o mínimo. Quando fui cortar o pedaço de carne tive de verificar, descrente, o fio da faca, achando que era a culpada por não fazer nem cócegas naquele tolete. Aquilo não era carne, era um pedaço de madeira. Foi o primeiro contato que tive com a famigerada "carne de monstro". Resolvi tomar um gole do suco. Outra porcaria. A cor era identificável, mas o sabor não. Paro por um momento e olho para os demais imediatamente após o Jackson sentar-se, ocupando o último lugar vago naquela mesa. O primeiro a se manifestar foi o russinho:
     - Chto uzhasno yeda! - fala de si para si.
     - Outra vez falando em marciano? Traduza, por favor! - faço uma imprecação.
     - Eu disse: que comida horrível! Ou; que gororoba!
     - Ah, bom! Sou obrigado a concordar. - digo, num muxoxo.
     - Pra mim tá legal. - diz o Jackson, atacando com voracidade o conteúdo da bandeja.
     - É, está certo. Na obra você deveria comer até pedra. - devolvo.
     - Ô... resmunga ele, com um sorriso maroto de boca fechada, pois estava lotada.
O Sandro nada diz. Quando abre a boca, o faz apenas para que as porções do "gordurame" entrem. Sinal de que para ele está tudo certo.
     Talvez alguém me pegue no pé, alegando; "olha aí o filhinho da mamãe, com nojinho da comida do quartel!" Para estes eu digo: Alto lá! Primeiro; desde que minha mãe começou a trabalhar fora - e isso já faz uns bons oito anos - quem cozinhava lá em casa sou eu. Segundo; como desenvolvi a arte de ser um "chef" por necessidade, aprendi a fazer refeições excelentes e bem temperadas mesmo com ingredientes simples e de qualidade considerada inferior. Assim fica mais fácil entender o porque deste primeiro contato ser mais desagradável para mim. Mas enfim, me resigno. É como dizia Ciro, o persa:

"Não há tempero melhor do que a fome."

Sábias palavras. Não muito consoladoras, mas sábias.


Continua!

P.S - Críticas, sugestões, dúvidas ou elogios poderão ser colocados nos comentários, ok?

Aquele abraço!

2 comentários:

  1. Amando cada vez mais suas cronicas-livro rs, sempre esperando para ver o próximo capitulo...

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    Respostas
    1. Olá, Vanessa!

      Mais uma vez agradeço pela sua presença por aqui. Bem, depois que esta narrativa terminar, haverão muitas outras histórias sobre diversos outros temas e com outras formas de abordagem!

      Apareça sempre que quiser!

      Grande abraço!

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