Bom dia, leitores amigos!
Depois de um final de semana em plena inatividade - do blog, é claro! - volto a publicar hoje. Como sempre, é nos finais de semana que minha mente fica mais ativa, mais criativa...ou não!
Conforme vimos até agora, as coisas estão esquentando. A pergunta é; Como o Flávio e seus três amigos vão reagir a tudo isso? Será que vão conseguir se safar dos castigos e sacanagens?
Depois de um final de semana em plena inatividade - do blog, é claro! - volto a publicar hoje. Como sempre, é nos finais de semana que minha mente fica mais ativa, mais criativa...ou não!
Conforme vimos até agora, as coisas estão esquentando. A pergunta é; Como o Flávio e seus três amigos vão reagir a tudo isso? Será que vão conseguir se safar dos castigos e sacanagens?
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Depois
desta pequena primeira amostrar do que estava por vir, o sargento
recomeça a discursar:
-
Certo, recrutas. Agora que todos já estão corretamente
uniformizados e tiveram uma instrução ligeira sobre o significado
da palavra identificação, com a devida colaboração de um de
vocês...
"Se
isso foi colaboração, não quero nem imaginar o que deve ser
obrigatório..."
-
...agora lhes transmitirei outras instruções fundamentais. Prestem
muita atenção, porque não sou daqueles que gosta de repetir as
mesmas coisas vez após vez. Muito bem, pergunto: O que está
faltando para que o seu fardamento fique completo? Alguém sabe
responder?
Aí
um gaiato do fundo da formação levanta a mão:
-
Identificação, recruta. - responde o instrutor, olhando para o
sujeito.
O
cara estufa o peito e responde em voz alta:
-
Recruta Carlos, senhor!
Nisso,
o sargento sai de onde estava e vai em direção a ele, conferindo se
o que o recruta respondeu "batia" com o que estava na sua
biriba(dou um jeito de olhar para trás discretamente):
-
Qual é mesmo a sua identificação, recruta? - responde o sargento -
com a voz mais calma desse mundo - olhando o sujeito nos olhos e
quase encostando o nariz na cara dele. Eita ferro...! Num relance, o
Carlos olha para a sua tarja e vê que deu merda:
-
É recruta Silveira, senhor - responde ele, em voz quase inaudível.
-
NÃO OUVI, RECRUTA!
"Vai
ver que é esse o motivo de os militares só se comunicarem aos
gritos. São todos surdos."
-
Recruta Silveira, senhor! - responde, agora apenas uma oitava mais
alto.
-
Pra frente da formação agora, grogronhento! Se você quer
"piruar"(na gíria militar isso quer dizer querer aparecer,
se destacar) aprenda a fazer direito, seu bosta de cobra! Andando! -
urra ele. Poderia jurar que o homem estava espumando...
E
lá se vai ele, de cabeça baixa e morto de vergonha, como a sua
expressão deixava muito claro. Quando ao medo, nem precisava falar.
Todo aquele processo que acabei de narrar - acontecido com o russinho
- se repetiu, com apenas duas diferenças. A primeira é que ao invés
de dez, o sargento estabeleceu vinte flexões. A segunda é que o
cara era um "frouxo", já na sexta estava choramingando que
nem um bebê. O que, diga-se de passagem deixou o sargento ainda mais
emputecido. Aí eu me pergunto como é que esse sujeito passou na
seleção. Mais tarde eu iria descobrir.
Vinte
minutos e trocentos berros depois aquela cena tétrica termina. Com
muito custo, o Silveira se levanta e volta para a formação com a
camiseta e a gandola molhadas de suor. Como sua cara estava toda
suada não pude distinguir muito bem, mas a mim pareceu que o tipo
estava chorando. O instrutor, já tenso, vocifera:
-
Se eu tiver de repetir isto com mais um só que seja, vai todo mundo
pro pau. Entendido?
-
Sim, SENHOR! - respondemos em uníssono.
-
Melhor assim. Como eu dizia, está faltando algo na sua indumentária
para que sejam caracterizados como militares de fato. E o que falta é
o corte de cabelo. Conforme aprenderão em instruções futuras de
legislação militar, sua aparência deve condizer com a imagem da
corporação que representam. Assim, vocês terão a responsabilidade
de zelar disciplinadamente também por este aspecto. E as Forças
Armadas adotam um sistema simples e funcional: o cartão de cabelo.
Cada recruta receberá um com sua ID(identificação), onde constarão
quatro campos distintos para a assinatura de conferência do seu
oficial de dia ou do comandante responsável. Os cortes devem ocorrer
obrigatoriamente de dez em dez dias, conforme padrão militar. Há
uma barbearia(note bem, barbearia,
não
cabeleireiro
e muito menos salão
de cabeleireiro)
nas dependências do batalhão exclusivamente para este fim. Friso
ainda que todo aquele que infringir este regulamento sofrerá punição
de acordo, salvo se a justificativa preenchida em formulário for
considerada válida. Sobre isso, aprenderão na sequência. Dúvidas?
"Sim
senhor, tenho uma. Quando estivermos no chuveiro os oficiais também
irão fiscalizar se estamos com os pelos do saco aparados?"
Depois
do que aconteceu ao "piru", ninguém se atreveu a pedir a
palavra. Ele retoma:
-
Muito bem. O corte de cabelo será a próxima etapa. Formem novamente
duas filas iguais para seguirmos para a barbearia. Tem vinte segundos
para se organizarem!
Filas
formadas novamente, seguimos o sargento até que somos alinhados
junto à parede do pavilhão que era o da intendência, conforme vim
a saber mais tarde. Em seguida, o instrutor fala:
-
Aguardem em silêncio e em ordem absoluta a chamada para o corte.
Voltarei em breve e distribuirei a cada um o seu cartão de cabelo.
Não o percam sob nenhuma circunstância, ou serão punidos.
Entendido?
-
Sim, senhor!
Tomo
coragem e levanto a mão. O sargento pergunta:
-
Identificação?
-
Recruta Flávio, senhor!
Quando
ouve isso ele vem "seco" em minha direção, talvez achando
que ia "sugar" mais um. Quando vê que me identifiquei
corretamente, faz uma expressão levemente perceptível de "que
droga, não vou conseguir enquadrar esse aí"
e me dá a palavra:
"Ahn...Saquei
qual é a sua, sargentão!..."
-
Senhor, peço permissão para dobrar as mangas da gandola!
-
Negada. Aguenta o rojão, recruta. Até porque eu não estou sentindo
calor nenhum. - diz ele, virando-se e indo para o prédio da
administração do quartel.
"É
claro que não, as suas estão dobradas!"
Sujeito
"safo"! Foi a única maneira que achou para me
sacanear...As duas filas de 25 se tornaram uma só. Apesar de o corte
ser apenas uma passada de "máquina um" e durar mais ou
menos uns cinco minutos cada, o processo ia demorar um bocado até
todos estarmos "tosquiados", devido ao fato de haver apenas
um barbeiro civil à disposição naquele dia.
Como
vi que o negócio ia ser mesmo lerdo, que estávamos proibidos de
conversar, que a "negada" estava com medo de o barbeiro nos
"dedurar" e o fato de eu estar mais ou menos no meio da
"linha", acabei por mergulhar novamente em plena
"vagabundagem" mental, "viajando" por locais
conhecidos e outros nem tanto. Resolvo tirar o boné - ou a
cobertura, no jargão milico - da cabeça e o olho com mais cuidado.
Me chama a atenção o número estampado em preto num fundo quadrado
branco. Era tão grande que tomava praticamente toda a parte frontal
acima da pala. Reparo que é o mesmo marcado na minha ficha que tinha
ficado no "almox" mais cedo. Vinte e seis. Este é o meu
número de série. Pelo menos não era o 49 do período da seleção,
afinal eu viraria piada no batalhão. Melhor ainda que não era o 24.
Aí sim seria o inferno. Passou raspando. Me pergunto também porque
um número assim deste tamanho. Provavelmente para ser visto de
longe, sem que fosse necessário se acercar do "recruta zé"
para ler o seu nome na biriba. Dava menos trabalho. Recoloco-o na
cabeça e olho em direção à frente da fila. Fico pensando que meu
último traço de "civilidade" será removido dentro de
pouco menos de uma hora. Seremos todos um bando de "vermes
carecas", que é muitas vezes como os "antigos" chamam
os novatos. Até parece que eles não tem espelho...
Sem
que eu consiga evitar, a Kayla volta a povoar meus pensamentos.
Dou-me conta que ela era a única militar que tinha visto em todas as
minhas andanças pelo "20" até ali. E por falar nela, onde
estaria agora? O que estaria fazendo? Em que batalhão? Outra coisa:
em minha entrevista na semana passada não me lembro de nenhum
sotaque que indicasse a sua origem. Bem, talvez não tenha reparado
porque fiquei tão impressionado com sua beleza e seus modos que
esqueci de tudo o mais. De onde será que é? Onde nasceu? Mais uma
vez muitas perguntas sem resposta. Preciso arranjar uma desculpa para
vê-la outra vez. Mas como? Qual vai ser a justificativa? Não faço
a mínima ideia. Mas, peraí seu idiota! Qual a sua pretensão? Por
quê quer arranjar um motivo para falar com ela novamente? Passar uma
conversa na orelha da moça, convidá-la para sair? "Cê"
tá maluco, é? Ela é uma oficial, cara! E você, o que é? No
máximo o "recruta
zero"
que vai ter de ralar pra diabo pra chegar a soldado! Se manca,
trouxa! Acorda para a realidade. Ela NUNCA vai te dar a mínima. Ter
sido bem tratado não indica que aquilo tenha significado nada mais
do que profissionalismo...
Fico
lá, naquele duelo de Rommel contra Montgomery no deserto africano.
Emoção versus
razão.
Ímpeto versus
cálculo. Causa perdida versus
moral elevada. Meu interior ferve mais em consequência dos meus
conflitos internos do que devido àquele causticante sol naquela já
longínqua manhã de março de 1997.
Um abraço e até o próximo capítulo!
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