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quinta-feira, 21 de maio de 2015

Crônicas de um recruta - parte 13

Ói nóis aqui "travêis"!

Começa hoje a parte 13, as coisas estão começando a esquentar...

E o que acham pessoas? Vida de recruta é mesmo "acochambrada" ou dureza? Muito do que se conta a respeito é mito ou fato?

Vejamos...





13

     Quando chega a minha vez, encosto a barriga no guichê e entrego-a ao soldado Rafael, conforme li em sua "biriba" (a tarjeta de identificação do combatente, onde consta seu nome apenas, na farda de combate, e o posto se for na de passeio). Como sei praticamente de cor os tamanhos que uso, vou dizendo a ele que, com o seu olho treinado, deduz exatamente o que precisarei. Vai até uma pequena escada e sobe-a, alcançando a prateleira mais alta e pegando um pacote. Desce e vai a uma segunda imediatamente ao lado, e pega um outro. Assim ele repete o processo até que esteja com sete volumes. Somente aí volta e os entrega a mim. Por fim, pergunta:
     - Qual o número do calçado?
     - Quarenta e cinco. - respondo, displicentemente.
     - Cê tá falando sério, recruta?
     - Tão sério como o nosso sargento.
     - Porra, outro pé de prancha! - e emenda- Sei não se vai ter coturno pra você também...
Dito isto, o cidadão vai até o fundo do almoxarifado. Pelos sons que ouço, deduzo que procura laboriosamente um par de botas que me sirva. Demora uns bons minutos, até que vem com um enorme invólucro transparente nas mãos que estavam levantadas para o ar como se segurassem a taça da final da Libertadores:
     - Está com sorte, recruta. O último 45 que temos. Não tem mais nem pra remédio. - e completa, esticando a cabeça para fora do guichê - Alguém mais aí calça 45?
      - Não! - responde a cambada.
      - Menos mal...
      - Obrigado. - respondo, fazendo menção de ir para a sala de provas.
      - Espere aí que ainda não acabamos...
      - Ainda não?
      - Está faltando a biriba, seu "monstro"!
      - Biriba?
      - Mas será que tenho de explicar tudo? A sua tarja de identificação, "bisonho"!
      Olho para ele com cara de poucos amigos. Já é o quarto que me insulta hoje. Ele não dá a mínima, atarefado como estava. Depois de procurar numa gaveta abaixo do balcão, me estende a tarja onde está escrito meu primeiro nome. Esta será a minha identificação a partir de agora. Pego, ou melhor, abraço a tralha toda e vou para a sala de provas ao lado, onde já estavam dez caboclos, em variados estados de semi nudez. Pelo menos desta vez eu vim preparado, porque já sabia de antemão que hoje haveria a prova do fardamento, conforme li no prospecto que a tenente Kayla tinha me dado. Assim, vim perfumado, com a higiene mais rigorosa do que o normal e com cueca e meias novas...E o melhor, pelo menos não iria ter de ficar pelado desta vez.
     A sala de provas era igualzinha a um vestiário, com prateleiras, armários de aço pintados naquela típica cor cinza dispostos contra as paredes laterias do aposento, com um pequeno intervalo na disposição deles para a "janela" de comunicação direta com o almoxarifado de fardamento ao lado. Bancos alinhados, dispostos ao comprido completavam o mobiliário. Súbito, o sargento Oliveira aparece na porta da sala e comunica, olhando também para o corredor para que os que estão fora também escutem:
     - Cada um de vocês está autorizado a pegar a chave de um destes armários numerados com o fim de guardar dentro suas roupas civis, bem como partes do fardamento, como cuecas e meias extras. Guardem-na e não as percam em hipótese alguma. Até que lhe sejam designadas as acomodações definitivas, estes servirão. Dúvidas?
     - Não, senhor! - respondemos, apenas os de dentro.
    - Mais uma instrução. Sua etiqueta de identificação deve ser afixada imediatamente na tarja de velcro disposta em sua gandola para este fim. A partir do momento em que estiverem uniformizados, não quero ninguém - repito - absolutamente ninguém sem identificação. Entendido?
    - Sim, senhor. - respondemos todos, inclusive os de fora da sala, na fila.
Após dizer isso, o sargento sai do meu campo de visão, indo em direção da fila diante do guichê. Tiro o que restava das minhas roupas civis e começo a abrir os pacotes. Imediatamente, sou invadido pelo cheiro característico de tecido novo, engomado. E este cheiro - engraçado! - se fixou na minha memória de um jeito que até hoje, quando compro roupa nova e abro o invólucro, imediatamente me lembro daquele momento da minha vida, quando abri os pacotes da farda nova pela primeira vez.
     O conteúdo dos volumes era; uma calça, uma camiseta, dois pares de meias, duas cuecas, um cinto militar tipo "NA"(norte americano), uma gandola e um boné tipo "tampa de lixo"(aquele quadradão, característico das Forças Armadas). Tudo camuflado, com exceção da camiseta, que era cáqui. Ah! E o par de coturnos, claro. Uma a uma, coloco as peças e justamente como previ, não precisei trocar nada. Tudo serviu de primeira. Coloco os cadarços nas botas que, por sinal, deveriam ter uns três metros de comprimento cada e calço o meu "boot". Rapaz, que sensação boa! Nem conseguia me lembrar a última vez que tinha calçado algo tão confortável assim. Pego os pares de meias, as cuecas, as minhas roupas e meu par de tênis e escolho o primeiro armário que me dá na vista, que por sinal é o 49... Abro-o e coloco minha tralha dentro, fechando-o em seguida, colocando a chave num dos bolsos frontais da gandola. Começo a me olhar, sentindo a melhor sensação do mundo, como se fosse o próprio Rambo. Olho para os meus companheiros na sala, e vejo em suas expressões a mesma coisa. Olham a si mesmos e uns aos outros com aquela cara de deslumbramento. Estufam o peito e fazem pose para pessoas imaginárias...Não tínhamos espelho naquela sala, nem infelizmente existiam na época celulares com câmeras para tirarmos selfies. Se tivéssemos, seriam com certeza as melhores lembranças daquele período. Como toque final, fixei cuidadosamente a biriba no velcro. Todo esse processo não demorou mais do que dez minutos. Nisso, o sargento retorna e pergunta:
     - Todos prontos?
     - Sim, senhor!
     - Muito bem. Formem fila no corredor. Acelerado!
Saímos para o corredor e nos enfileiramos, os primeiros dez. O sargento Oliveira nos ordena:
     - Atenção! Todos de frente para mim!
Então resolve nos vistoriar um por um ali mesmo, para checar se estamos com o fardamento em ordem e alinhado. Se detém diante do meu amigo "husky" e pergunta:
     - Qual o seu nome, recruta?
     - Vinicius, senhor.
     - E onde está a porra da biriba, recruta? - inquire, elevando a voz.
Só aí ele "se manca". Retira rapidamente a biriba do bolso da calça e a fixa no velcro da gandola. O sargento pergunta mais uma vez:
     - E agora, qual é o seu nome, recruta?
     - É Vinicius, senhor! - responde ele, elevando também a voz.
  - É a puta que te pariu, recruta! O QUE ESTÁ ESCRITO NA SUA BIRIBA, SEU MONSTRO?
Engasgando, vermelho como um tomate, o russinho responde:
     - É Plokonskaya, senhor!
     - ENTENDEU AGORA, Plosko...Polsko...Pokosk..........Recruta?????
     - Plokonskaya, senhor! - arrisca-se a corrigir o sargento.

"Puta merda! Esse russinho deve ser mesmo louco!"

     - NÃO TE PERGUNTEI NADA, TREVOSO! E tem mais! Só não te faço "empurrar o japonês"(fazer muitas flexões) aqui mesmo porque não tem espaço! Mas você me aguarde lá fora que já já eu te mando "aos caralhos"(equivalente ao ir e voltar do inferno pelo menos umas dez vezes, ou seja, o sujeito está fodido de verdade...)!
     O Vinicius se encolhe todo e abaixa a cabeça. O sargento passa adiante e termina a inspeção daqueles primeiros dez e ordena:
     - Vão lá para fora e fiquem em forma ao lado dos que aguardam para entrar, entendido?
     - Sim, senhor... - respondemos mansamente, agora intimidados com o Oliveira.
     - Vão logo, o que estão esperando? Um convite escrito?

Formamos rapidamente a fila e saímos dali o mais depressa que pudemos. Pelo que parece, o troço vai ser dureza...


Até mais, povão!

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