Bom dia, boa tarde, boa noite nobres e fiéis leitores deste humilde escriba!
Hoje publico mais um capítulo dessa saga, que se avoluma e se diversifica, para o nosso deleite. Conforme vimos no post anterior, nosso recruta favorito resolve sair para esfriara cabeça. O que acontece a seguir?
Vejamos...
43
Apago
em pouco tempo ali mesmo porque fui dormir muito tarde na noite
anterior. Desperto assustado ao sentir alguns cutucões nas costelas.
Levanto o tronco
apoiando-me com as duas mãos, para só então reconhecer os
dois sujeitos que ali estão a me incomodar. São o Maycon e o
Danilo, colegas da minha turma do último ano do Ginásio:
-
Olha só o “que”
a gente achou jogado por aqui! Dá uma olhada, Maycon. Eu quase não
reconheci o indigente!
– Troça o Danilo.
Entrando
na onda, o Maycon dá um
longo assovio, replicando;
-
Meu, olha só que estrago! Eu
já tinha ouvido falar do
que acontece quando se entra no exército, mas
só
vendo mesmo pra acreditar!
Retruco,
enquanto me apoio na mão estendida do Danilo para me levantar:
- Bem se vê que as notícias correm rápido entre a veadagem. Como
vai o casal de ouro da escola?
-
Muito bem! Obrigado
por perguntar. Mas, sabe de uma coisa? Não
passe vontade! Faça
como nós; venha para
o lado rosa da força! – responde o Maycon.
Caímos
os três na gargalhada.
Os
dois eram vizinhos onde moravam no conjunto Mercúrio, perto da
escola em que estudei nos meus anos de
Ginásio e do hoje chamado
Ensino Médio. Sendo os dois filhos únicos em suas famílias e com
diferença de idade inferior a um ano, tornaram-se como irmãos.
Estudaram juntos em praticamente todo o
primeiro grau,
quase sempre na mesma turma. Aprontavam juntos, brigavam juntos,
estudavam juntos, enfim, eram um retrato fiel daquela expressão
inglesa;
“A
brother from another mother.”
É
lógico que esta amizade
suscitava muita inveja. Daí os boatos que surgiram de uma suposta
baitolagem dos caras, amplamente desmentidos
pela série de namoradinhas que tiveram desde o primário. Mesmo
assim, o troço pegou. E eles não se fizeram de rogados. Aceitaram
na boa a zoeira. Não passaram recibo.
Ficamos
de papo furado ali mesmo por alguns minutos, até que o Maycon propôs
que fôssemos tomar qualquer coisa gelada no boteco na rua bem em
frente ao parque. Resolvi topar. Precisava esquecer um pouco dos meus
problemas.
Dirijo-me até lá
empurrando a “magrela” e
caminhando ao lado do
Danilo, enquanto o Maycon foi buscar o carro que estava estacionado
nas redondezas.
Escolhemos
uma mesa ao lado da mureta onde se apoiavam as pilastras da cobertura
externa para “cuidar do movimento”
e daquele trambolho indignamente chamado de bicicleta. Pedimos
algumas garrafas de Antárctica e pusemo-nos a atualizar a conversa.
Como sempre, fui crivado de perguntas de todos os tipos. A primeira
hora de papo consumiu-se apenas em matar a curiosidade deles.
Galhofas à parte, todas as perguntas eram feitas com respeito. Os
caras deixavam transparecer uma espécie de reverência, que ia se
tornando mais evidente à medida que o álcool fazia o seu trabalho.
Não lhes escondi absolutamente nada. Nada mesmo. Nem da Kayla, nem
da Salete, nada. Por instantes entreolhavam-se, duplamente
incrédulos. Mas, como nunca lhes tinha contado lorota antes,
deram-me
um voto de confiança.
Continuavam incrédulos, mas agora com a situação incomum em que me
encontrava.
-
Rabudo do caralho! – exclamou o Maycon – Vá ter essa sorte
assim lá na puta que o pariu!
-
Amém. – Completa o Danilo.
-
É, mas o pior vem agora. Primeiro; já
lhes expliquei, porra, que apenas estou desconfiado do lance da
Kayla. Pode ser, como pode não ser. O troço é incerto. Segundo;
perdi a porcaria do telefone da Salete.
Sonoro
apupo alcoólico:
-
AHHHHHHH! Mas puta que o pariu cara,
como tu é burro! – retrucam os dois, em uníssono.
-
Eu sabia que vocês iam dizer isso. Sejam
mais originais, cacete! Já
disse, não tenho certeza! E além do mais, o que vocês queriam? Que
eu comesse ela bem ali?
- Véio, eu já “arrastei” muitas
minas
do cursinho por muito menos que isso! O que você tá esperando? Que
ela coloque uma faixa na frente do quartel escrito assim: “Flávio,
me coma por favor. Com amor: Kayla”? Elá tá na tua, mermão!!
Qual a dúvida que tu ainda tem? Cara, vê se enfia isso nesse teu
coco raspado: Quando a mulher tá a fim, ela NUNCA, absolutamente
NUNCA se declara. Só dão indiretas, se insinuam, ficam se fazendo,
saca? Ela tá seguindo o script direitinho. E mais; criou situações para
poder fazer isso! Meu Deus do céu! Ah,
se fosse comigo! – exclama o Maycon
-
É cara! Tá bom, tá bom. Menos, meu conselheiro fodal! Só que tem
um detalhe a mais do qual tu se esquece. A Salete.
-
Essa aí é peixe na rede. Nem conta. - diz o Danilo.
-
Não é isso o que eu quis dizer. O
que eu entendo disso tudo é seguinte: A Salete é de fato uma opção
mais viável. Mas acontece que vocês não tão se ligando na real.
Eu estou ferrado. Sem grana. Sou pobre, quebrado. Quando for levar
uma delas pra sair, vou levar aonde? No dogão da esquina? Em quê?
Na garupa da magrela? Pra
vocês é fácil falar. Dá
uma olhada na máquina que você tá dirigindo, Maycon! E quanto a
você, Danilo? Na pior das hipóteses pode pegar emprestado o carro
do teu pai quando quiser sair pra “passar o rodo”.
Eles
silenciam e se olham. Percebem que estou parcialmente certo. Depois
de um pequeno intervalo, o Maycon passa a mão no queixo – gesto
muito dele, aliás – e diz, olhando fixamente pra mim;
-
Sabe de uma coisa, Flávio? Você tá só meio certo. Vou te contar
uma coisa que meu pai me disse quando tive esse mesmo dilema
existencial. – Diz, sorrindo ironicamente.
E
prossegue:
-
Seguinte; “A mulher que agora tem, que veio pelo que se tem não te
pertence. Por outro lado, a mulher que a você veio por
quem você
é, esta é a que te possui”. Moral
da história, meu chapa; Se ela gosta de você de verdade, vai
contigo a pé até pro inferno.
-
Lindo, Maycon. Muito poético, eu diria. Aplausos de pé pra você,
quero dizer, pro seu pai. Acontece que tenho uma perguntinha,
cumpádi. Só uma: Por quê então você usa o que tem pra conseguir
as meninas que quer, e despreza o sensato conselho paterno?
Ele
me olha, sardônico, e me diz com a maior calma do mundo;
-
Por pura diversão. O que eu tenho, que nem você diz, é só um meio
para um fim. É como o joystick de
um vídeo game. Amor
verdadeiro? Tô muito novo pra pensar nisso. Meu pai sempre diz que
tenho de me concentrar só
em
duas coisas: ser bem-sucedido nos estudos e curtir a juventude,
porque só se vive uma vez. É claro que o velho sempre me diz pra
ser cuidadoso, responsável e
blablablá, blablablá. Mas
que eu não me furte de viver a
vida, porque depois é só
responsabilidade e correria.
Aí, quando estiver formado e bem empregado, - talvez como
funcionário
do governo, que nem o meu velho – aí sim vou pensar nesse lance de
mulher pra casar.
E
tasca um golaço de cerveja na goela, no que é imitado pelo Danilo
que me olha, divertido, por notar a minha expressão de perplexidade.
Fico
sem palavras. Não sei o que dizer. Nunca tinha olhado as coisas por
esse lado. Não a parte do machismo explícito na filosofia dos meus
amigos playboys, muito menos
no seu raciocínio implícito “enquanto não acho a mulher certa me
divirto com as erradas”. O que “pegou” foram as premissas
“sou muito novo para pensar nesse tal de amor verdadeiro” e,
principalmente, “ser bem-sucedido nos estudos”. O
Danilo me olha outra
vez e diz:
-
Pelo jeito este tijolo te acertou a caixola em cheio, né? Pra mim
também foi assim no começo. Depois, ficou claro como água.
-
Eu confesso; nunca tinha pensado assim antes. Acho que vou tomar isso
em consideração...
-
Meu velho é mesmo um sábio. - diz o Maycon.
Seguimos
papeando. Agora eles é que me contam sobre suas vidas. Os dois
passaram no último vestibular. Isso
mesmo. Aquele em que eu rodei.
São calouros de Engenharia na Federal. Um na Civil,
outro na Mecânica. Pergunto
a eles porque não estão carecas que nem eu, já que todo calouro é
zoado no trote. Disseram-me que nunca distribuíram tanta pancada na
vida como naquele dia e que por isso “escaparam”. Fico
só imaginando como foi...
Perguntei
também como escaparam do serviço militar e os dois disseram que
entraram no excesso de contingente, nem sequer tendo de passar pela
cerimônia de jurar à bandeira. Excesso
de contingente... Sei... Tratamos
de vários outros assuntos, matamos saudades da infância e do começo
da adolescência. Algumas confissões sobre cagadas acontecidas e
meninas bolinadas foram feitas, agora que já eram definitivamente
coisas do passado.
As
horas escoaram rapidamente. Lá pelas cinco, digo aos amigos que
preciso ir. Já bebemos uma quantia razoável e também está ficando
bem frio. Quero ir logo pra casa, antes que anoiteça. Eles estão
vestidos como eu, de bermuda, tênis e camiseta. Só que estão de
carro, eu não. Proponho rachar a conta mas eles se recusam, dizendo
que desta vez vão levar em consideração que salário de milico é
uma merreca. E arrematam que eu vá juntando uma grana, que na
próxima quem vai pagar sou eu. Aceito. Assim, a muito custo consigo
sair de lá, depois de mais
umas cinco “saideiras”.
Estou
um pouco “alto”. Nunca tinha bebido assim. Pra falar a verdade,
foi a primeira vez na vida que bebi com amigos. E
admito que foi bem legal. “Bem-vindo à maioridade”, pensei cá
com meus botões. É claro que não tinha naquele momento muito o que
“bebemorar”, mas valeu a pena pelas coisas que vi e ouvi. Teria
muito em que ponderar nos próximos dias. Só
estava preocupado com uma coisa; Quando meus pais me virem nesse
estado, vão encher o saco de verdade. Vai ser uma desgraceira só.
Será mesmo? Meus velhos
nunca ligaram muito pro que eu e meu irmão fizemos ou deixamos de
fazer. Acho que não vai dar nada! Ou vai? Bom isso é diferente...
Nunca nós ficamo bebum
antes... Oh merda! Vô
apanhá
até por dentro dos olho...
Não
havia pedalado nem por duas quadras quando a rua começou a dançar
diante dos meus olhos. Por
reflexo, aciono o freio de pé. Quando dou por mim, estou estendido
de bruços em todo o meu comprimento dentro de uma valeta – por
sorte seca – com a bicicleta por cima. Não
me perguntem como exatamente fui parar lá porque até hoje não sei.
Só me lembro de vociferar ameaças contra aquele filho da puta do
polaco “soldado antigo” que pela segunda vez tinha me passado a
perna...
Maquinalmente
me levanto, com bicicleta nas costas e tudo, ajeito-a e sigo meu
caminho, sob uma torrente de risadas e apupos da molecada da rua.
Sigo bem mais devagar e cautelosamente. Quando chego no portão de
casa, lembro-me de sentir um alívio enorme ao constatar que não
havia ninguém. Que puta sorte!
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