Bom dia, boa tarde, boa noite nobres leitores desde engatinhante blog!
Lembram que lhes falei que em breve publicaria aqui contos de outros gêneros literários?
"Sim, nos lembramos!"
Então, hoje vou postar um conto de Ficção Científica que concorreu em um outro blog chamado Entre Contos, num desafio de autores(Muito bom, diga-se de passagem).
Isto não significa que as aventuras do Flávio acabaram. Apenas serão intercaladas com outros contos, para dar uma "quebrada" na rotina. Em breve o "reco" voltará a aprontar das suas...
Bom, sem mais delongas o conto. Espero que gostem!
Abro
os olhos e vejo, sob um véu vermelho, apenas a poeira ocre que
aderiu em parte do plexigas do visor de cristal líquido em frente ao
meu rosto. Choco-me ao notar grandes trincas em sua estrutura. Se ela
ceder, estarei morto em trinta segundos. Olho em todas as direções,
tentando entender o que houve. Ondas de náusea me invadem. Não
consigo me mexer. Sinto um gosto ferruginoso na boca. Provavelmente
sangue. Ordeno um checkup em meus sinais vitais e estrutura física
através da tela holográfica por comando neuronal. Nada. Nem sequer
estática. Tento movimentar as pernas. Impossível. Braços? Idem. A
mesma coisa com o pescoço e a cabeça. Comunicador? Sem resposta.
Sinal de emergência hiperespacial? Ligado. Sistemas de suporte de
vida; em funcionamento. Há um pequeno vazamento de oxigênio em uma
microfissura abaixo do braço esquerdo, mas nada preocupante.
Dispositivo de chamada de robôs auxiliares? Estática.
Após
esta primeira verificação, passo a tentar me relocalizar no tempo e
no espaço. O ponto de partida é o momento imediatamente anterior à
minha retomada de consciência. O que por mil parsecs aconteceu
afinal? Não consigo de imediato organizar as ideias. Ao que parece,
o que houve foi suficientemente grave para desorganizar até mesmo
meus arquivos cerebrais. Um caleidoscópio de imagens dançam diante
dos meus olhos. Apenas borrões. Tento inspirar mais ar, sinto-me
sufocado. Ao fazê-lo, uma dor lancinante percorre a caixa torácica.
Devo ter costelas quebradas. O que me atingiu foi algo tão forte que
conseguiu ferir-me mesmo dentro do traje de nanofibras de carbono.
Noto acima de mim, através de uma abertura a segunda lua de
Plexus 12. A última coisa de que me lembro era ter olhado para a
gigante vermelha que serve de sol ao sistema em que me encontro e
pensar que a posição em que estava indicava claramente o fim do meu
turno neste planetóide onde há um complexo de mineração de
cobalto. Diante dessa reflexão, concluo que estive “apagado” por
mais de seis horas!
Onde
estão meus companheiros? O Sergey? O Woo? O Ramón? E o operador das
perfuratrizes, o Schneider? O que lhes terá acontecido? Será que
estão bem? Por que não se comunicam? Estarão feridos – como eu –
ou até mesmo… Não! Não pense nisso! Provavelmente estão te
procurando neste poço de mina e vão lhe tirar dessa enrascada! Tudo
o que tenho de fazer é esperar, tentando achar um jeito de
estabelecer contato.
Súbito,
lembro-me que este traje possui sistemas de auto reparo de
emergência. Ordeno acesso ao software. Sem resposta. Insisto. Nada.
Mas que diabos! Persisto. O sistema se digna a dar sinal de vida,
talvez por causa da veemência com que foi requisitado. O display
holográfico dança diante dos meus olhos como uma velha TV mal
sintonizada do já longínquo século 21. “Diagnóstico!” Ordeno
imperativamente. Tenho de repetir o comando várias vezes para obter
a resposta. E o que vejo me gela os ossos. Módulo de energia
operando abaixo dos 30 por cento. Duração provável: Duas horas.
Bateria de emergência: Inutilizada. Sistemas de suporte de vida: danificados, além da capacidade de reparo pelos nanorobôs. Sistemas
de diagnóstico biológico: Inutilizados. Sistemas de Posicionamento
Interplanetário: Operando, mas com falhas. Tanques de oxigênio: 25
por cento da capacidade. Estimativa de esgotamento: Duas horas e 20
minutos. Sistema de comunicação: Inoperantes. Sucesso de reparo
estimado em 42 por cento. Paro por aqui. Prefiro nem olhar o
restante. Preciso manter o sangue frio para poder raciocinar com
clareza. Ordeno o reparo imediato do sistema de comunicação, apesar
de relutar um pouco, devido ao fato de que o auto reparo consome
cinco vezes mais energia do que o normal. Mas é imperioso que eu
possa estabelecer contanto com qualquer ser vivente que possa me
tirar desta ratoeira. Por hora, nada posso fazer a não ser esperar.
Cada
inspiração é um sacrifício. Grossas gotas de suor se formam em
minhas têmporas. Continuo me esforçando, tentando recuperar
movimentos. Meus membros formigam. Bom sinal, antes nem isso sentia.
Com muito esforço, levanto o braço direito e retiro a poeira do
visor. Tenho uma visão mais clara do meu redor. Consigo mexer a
cabeça. Esforço-me um pouco mais e levanto vagarosamente o tronco,
por causa das dores horríveis. Grandes paredes do túnel número 4
ruíram totalmente, esmagando todos os equipamentos, robôs
mineradores e auxiliares. Duas novas preocupações. Primeira; os
sistemas de elevação foram triturados pelos escombros. Estou preso
aqui, porque este maldito traje antigo não conta com propulsores e a
gravidade neste pedregulho seco é equivalente à gravidade do meu
planeta natal. Por mais que seja leve, ele limita meus movimentos e
não há saliências no poço que me sirvam de apoio na subida.
Segunda: O sistema de detecção – que por milagre ainda funciona –
começa a indicar uma altíssima leitura de radiação proveniente
das baterias esmagadas embaixo das milhares de toneladas de rochas. E
não há vedação adequada contra este perigo.
À
medida que os reparos avançam, começo a escutar meias palavras
cuspidas junto com estática. Tendo entender o que se diz, mas é um
quebra cabeças com peças quebradas. A náusea se intensifica, a
cabeça começa a girar. Perco o equilíbrio frágil em que estava e
caio para trás com estrondo, urrando de dor. Apago. Acordo pouco
depois com o som estridente do alarme de radiação. O sistema de
comunicação já se encontra parcialmente operacional. Agora consigo
distinguir palavras inteiras. E reconheço a voz de um dos meus
amigos: É o Schneider! Um clarão de esperança enche meu peito. Não
estou só! Alucinadamente, tento fazer contato, indicar minha
posição, dizer que estou vivo. Em más condições, mas vivo:
– Gama
3! Gama 3! Gama-Ponta 1 chamando! Está na escuta, Gama 3?
Não
há resposta. Apenas a mesma litania acompanhada de estática, que
estava agora menos intensa. Insisto:
– Gama
3! Gama 3! Gama-Ponta 1 chamando! Está na escuta, Gama 3?
Nada.
Escuto-o falar sem interrupção. Mas não há a mínima resposta.
Por alguma razão, ele não consegue me ouvir. Talvez a radiação
esteja dando interferência. Troco as faixas de frequência, num
esforço inútil. Em todas as outras não encontro nenhum sinal de
vida. Até que, numa determinada faixa consigo captar uma linguagem
muito diferente, mas inconfundível; Morlockianos. Como? Estamos no
Setor 5-2, a pelo menos 80 anos luz de distância da Zona NGC, que
delimita a fronteira! Eles estão por perto, porque até onde sei o
alcance do meu equipamento é de no máximo 5 anos luz. Apuro os
ouvidos, me concentrando no que dizem. Como sei muito pouco do seu
idioma, consigo apreender apenas três palavras: “Guerra”,
“ataque” e “mineradora”.
Sinto
o sangue congelar nas veias. O coração martela dentro do peito. A
respiração entrecortada acelera-se, intensificando a náusea. Com
muito custo consigo conter o conteúdo do meu estômago. Forço-me à
calma, porque agitação significa maior consumo de oxigênio, que já
estava chegando a um nível crítico. Procuro novamente a faixa onde
estava escutando o Schneider. Com os reparos quase concluídos, a
estática diminui consideravelmente. Assim, consigo entender o seu
comunicado:
“A
todos que possam me ouvir! Isso é urgente! Meu nome é Wilhelm
Schneider, Gama 3 da Companhia Intergaláctica de Mineração CC-1!
Transmito esta mensagem do Centro de Comando e Controle das minas de
cobalto de Plexus 12, no sistema de Tartan 6! Estamos sendo atacados
por um esquadrão alienígena não identificado! REPITO: Estamos
sendo atacados por um esquadrão alienígena não identificado! Quem
estiver ouvindo esta mensagem, por favor comunique imediatamente ao
Comando da Frota de Andrômeda! Necessitamos de ajuda imediata!
REPITO: Necessitamos de ajuda…”
Uma
grande explosão interrompe a transmissão, que após alguns
segundos, volta ao seu começo. Meu amigo sabia que iria morrer, e
antes mesmo de terminar a gravação, a colocou em loop. Minha visão
se embaça. Grandes lágrimas se formam em meus olhos. Choro
copiosamente, em soluços. Choro por meus amigos. Choro por mim
mesmo. Choro pelas dores atrozes. Choro pela sensação de abandono.
Choro por causa da certeza de que morrerei aqui. Choro por minha
esposa. Por minha mãe. Por meu filho, que não vejo há seis meses.
E que não mais verei.
Engasgo-me
e começo a tossir. Filetes de sangue escorrem pelos cantos da boca.
Começo a invejar o fim que meus amigos tiveram. Morreram
imediatamente, sem sofrer, sem se acabar nesta agonia por que passo
agora. Minha mente vagueia, voltando para o passado, quando ainda
morava na Terra. Fui para lá transferido logo que ingressei na
Companhia, como inspetor geral de perfuração. Lembro-me como se
fosse hoje o seu lema:
“CIM/CC-1:
Minerando em sete luas. Construindo oito planetas. Servindo a quinze
galáxias.”
Lá
conheci uma maravilhosa moça, secretária do diretor de operações.
Uma fantástica jovem, de cabelos negros lisos e brilhantes, olhos
negros e pele cor de mate. Nasceu onde era o antigo Brasil, que foi
integrado ao Bureau de Governança Global em 2186. Lembro-me do nosso
primeiro encontro na costa. Do nosso casamento. De nossas núpcias em
um magnífico litoral tropical no hemisfério sul daquele abençoado
planeta. De quando eu soube que ela estava grávida. De nossas
expectativas e sustos por ter sido uma gestação de risco. Da
sensação única de segurar meu filho em meus braços pela primeira
vez. Da festa que minha família fez pela sua chegada….
Sou
arrancado do meu transe pelos múltiplos alarmes que soam, como que
penetrando diretamente no meu cérebro. São seis ou sete deles,
indicando falhas iminentes. Seleciono a opção de abaixar seus
volumes, já que não existem meios de desligá-los por completo.
Ainda tenho uma última coisa a fazer. Aciono o gravador, que estava
em paralelo com o sistema de transmissão:
” Meu
nome é Ricardo Sermant Gobler, supervisor de mineração da
CIM/CC-1. Por motivos que ignoro, fomos atacados ao que tudo indica
por um esquadrão da Frota Morlockiana. Meus colegas de trabalho
foram mortos imediatamente, pelo que sei, sendo então – até aqui
– o único sobrevivente. Há uma mensagem em loop deixada pelo
operador Wilhelm Schneider, que corrobora as minhas informações.
Estou preso no túnel 4 da ala leste do complexo, sem possibilidade
de escapar por meus próprios meios, dado que estou num traje padrão
AN 7.5 e os sistemas de elevação foram destruídos. Neste momento,
todos os meus sistemas estão em situação de falha iminente. Não
consigo fazer um diagnóstico preciso dos meus ferimentos porque o
sistema de monitoramento biológico foi inutilizado. Devo estar com
as duas pernas fraturadas e perfuração em um dos pulmões. Se por
acaso alguém estiver na escuta, solicito ajuda imediata. Caso esta
não seja ouvida, peço apenas que, quando me encontrarem, entreguem
por favor a mensagem que segue à minha família:
Querida
Lana, meu tesouro, minha vida! Não poderei mais estar na companhia
sua e de nosso pequeno Anders. Mas não se preocupe, não estou com
medo. Sinto apenas não poder abraçá-los uma última vez. Não
poder aconchegar em meus braços o fruto do nosso amor. Também,
minha querida mãe, não chore. É a vida. Infelizmente aconteceu.
Mas tenha orgulho, afinal. Porque cumpriste tua missão. Teu filho
foi um homem de bem. E que te deixa um neto. Assim, tua missão se
renova, ao conduzi-lo, junto com minha amada esposa, nos caminhos da
justiça e do que é bom. Nunca se esqueça de que eu viverei nele,
porque é meu sangue. Beijo, minha querida! Estou agora olhando suas
sorridentes fisionomias em meu display, e esta visão é que levarei
comigo para sempre. Nunca se esqueçam de que os amo. De que sempre
os amarei.
E
que, de qualquer maneira, voltarei para casa um dia…”
Dúvidas, críticas, sugestões ou elogios? Coloque abaixo, ok?
Até a próxima!
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