Bom dia, boa tarde, boa noite, mais do que fiéis leitores.
Após uma longa ausência por motivos pessoais - e lhes peço perdão por isso - estou de volta.
Bom, o último conto variou um pouco, abordando o tema ficção científica. Mas, após umas longas férias, o nosso recruta favorito(justamente por ser o único!) está de volta.
Mais uma vez peço perdão, amigos. Mas agora, com a "casa arrumada", meus problemas acabaram...
Muito bem, sem mais delongas, a parte 25. Apreciem!
25
Por
um ou dois segundos, o sargento olhou-me fixamente. Não sei se
apenas por despeito - como eu já tinha dito antes - ou por outros
motivos que no momento não tive presença de espírito suficiente
para deduzir. Mais tarde soube que ele tinha suspeitas de que eu era
apadrinhado de algum oficial superior. E sendo assim, que iria
"sobrar pra ele" pelo fato de ter sido tão duro comigo até
então.
Esta
suposição me trouxe um alívio considerável, já que pude
desfrutar do benefício da dúvida por um curto período de tempo,
que durou até o momento em que a informação correta veio à tona.
Depois disso, a coisa correu de mal a pior. Parecia que o sujeito
queria recuperar o tempo perdido. Além de se vingar por "ter
sido enganado", na sua concepção míope.
Foi
duro. Foi difícil. Foi terrível, eu diria. Mas, com a ajuda e
incentivo dos meus novos amigos, bem como a minha sólida
determinação de não ser um derrotado como meu pai, consegui passar
por aquela semana de calvário. Que diga-se de passagem, passou numa
lentidão enervante. Não vou descrever em pormenores tudo o que se
passou porque acho que seria apenas mais do mesmo. Instrução,
instrução e mais instrução. Apenas variavam de tipo, intensidade
e "sugação".
Posso
dizer que o único treinamento pelo qual estava aguardando era o de
manuseio de armas. Montagem, desmontagem e tiro. Mas, infelizmente
não houve nada disso naquela primeira semana(por isso tivemos a
sorte de não ser escalonados para "tirar guarda" já que,
na teoria, em caso de uma remota invasão de perímetro não teríamos
nada para combater o "inimigo" a não ser se jogássemos os
nossos coturnos neles...). Apenas aulas teóricas intermináveis
sobre conduta, traquejo, disciplina e hierarquia, com intervalos
regulares do famigerado TFM. Pouca coisa daquilo era novidade para
mim porque eu já tinha lido bastante a respeito muito antes de eu
sequer sonhar em servir o Exército. Isso explica esta percepção da
passagem do tempo.
Finalmente
chega a sexta-feira. Lá pelas cinco horas da tarde - na área do
cerimonial - o instrutor "jagunço" Barreto nos dá a boa
nova:
- Recrutas, comunico-lhes que ao final desta instrução - que se
encerra agora(diz, olhando para o seu relógio de pulso) - os
senhores serão dispensados até às 0600 horas de segunda-feira.
Lembrete importante: Nem sonhem em chegar atrasados e muito menos em
faltar. Conforme o parágrafo 18, item 4, parágrafo 3° do código
de ética e disciplina militar, todos aqueles que cometerem tais atos
serão rigorosamente punidos como militares efetivos que os senhores
já são. Fui claro?
-
Sim, senhor!
-
Ótimo. Perguntas? Não? Perfeito. Adiante: os senhores poderão sair
em fardamento de combate das dependências do batalhão. Mas,
lembrem-se; haverão milhares de olhos voltados para vocês,...
"Femininos,
de preferência..."
...inclusive
alguns dos nossos...
"Já
não prestou..."
...portanto, pensem bem
antes de fazer qualquer tipo de cagada, porque a retribuição será
rápida e certeira, podem apostar seus rabos nisso! Entendido?
- Sim, senhor! - respondemos, todo animadinhos...
- Muito bem! Agora, todo mundo pro chuveiro. E ai do desgraçado que
a PE tiver de ir buscar em casa! Dispensados!
Para
onde quer que olho, só vejo rostos sorridentes. A "manada"
está que não se aguenta. Não sei se pelo alívio depois de uma
semana extenuante ou pelo fato de que vão sair do "20"
como uma bandos de pavões. Ou se é uma mistura das duas coisas.
Instintivamente, meu amigos se acercam de mim, sem dizer palavra. Nem
precisa. Apenas andamos lado a lado, indo para o alojamento.
Quanto
a mim, estava sinceramente aliviado. E com uma sensação de dever
cumprido que me aquecia o peito de uma forma que nunca tinha sentido
antes. Me senti mais macho. Um homem de verdade, por suportar um
tratamento mais "carregado" que os demais, por pura
implicância do sargentão. Pensei bastante nisso enquanto estava no
chuveiro. Aliás foi o primeiro banho quente que tomei a semana toda,
porque ao menos desta vez tínhamos chegado no horário em que as
caldeiras estavam funcionando. É claro que os "antigos"
que estavam por lá não gostaram nem um pouco de ter de dividir a
"sua" água quente com os "vermes". Mas acho que
nada disseram porque estávamos em maior número. De resto, "cara
feia é fome".
Banho
tomado, um perfuminho vagabundo da avon debaixo "das asa",
farda em ordem, mochila com minhas roupas civis às costas e boina na
cabeça. Hora de puxar o carro. Ao sair do pavilhão, paro e olho em
volta. É um bonito fim de tarde. Um céu azul sem nuvens, com aquele
friozinho típico do cair da noite. Ainda dá pra ver o sol
mergulhando no horizonte em todo o seu esplendor. Acordo do meu
devaneio ao ouvir o Vinícius me chamar após descer as escadas.
Sorrio ao revê-lo e pergunto pelos outros:
-
O Sandro e o Jackson já "vazaram". Mas me pediram pra te
mandar um abraço e um bom fim de semana. - responde.
-
Legal. Mas porque estavam com tanta pressa?
-
Não sei. Acho que não estavam aguentando ficar aqui dentro nem mais
um minuto.
-
Pode ser, mas poderiam ter esperado a gente, pô! Custava? - respondo
eu, um tanto chateado.
-
Esquenta não, segunda-feira você fala com com eles. Vamos nessa,
moy brat?
-
Falando em marciano de novo! O que significa, Vinícius?
-
É meu irmão em russo, seu mala!
-
Ahn! Juro que ainda vou aprender a falar o idioma de Dostoiévski!
Bom, vamos nessa?
-
Demorou, sangue bom! - responde, num largo sorriso.
Saímos
da frente do alojamento, andando em direção à avenida Marochi,
viramos à direita na "curva da gororoba" e deixamos também
à direita a área do cerimonial falando despreocupadamente, rindo à
toa depois daquela primeira semana de provações. Percebi de canto
de olho que alguns laranjeiras estavam nos olhando de cara feia.
Provavelmente porque nos invejavam por termos casa para ir e eles
não.
No
portão principal, somos requisitados a mostrar nossos documentos.
Tudo certo. Finalmente saímos para a Erasto Gaertner. O Vinícius me
diz:
-
Olha lá! - exclama, ficando eufórico.
-
O que? Aonde?
-
Lá! - repete, apontando para o acostamento do outro lado da avenida.
- Meus pais e meu avô! - exclama novamente, ficando todo vermelho.
Atravessamos
correndo, indo até eles. O que aconteceu a seguir foi uma das coisas
mais bonitas que já vi na minha vida. Não sei ao certo se esse é
um costume familiar eslavo, mas é algo tocante: é uma espécie de
abraço coletivo bem diferente, como se fosse em camadas. Primeiro, a
mãe do Vinícius o abraçou. Em seguida, seu pai abraçou os dois.
Por último, um velhinho russo de dois metros de altura envolveu os
outros três. Todos quase tocando os rostos, todos com lágrimas nos
olhos, murmurando palavras ininteligíveis para mim naquela época.
Aquela cena, complementada por aquele lindo final de dia ficou
firmemente gravada em minha mente, examamente como uma pintura dos
grandes mestres.
Esta
família ficou assim por um bom par de minutos, alheios a tudo à sua
volta. Quando o abraço se desfez, todos eles olharam para mim e para
o Vinícius, numa interrogação não verbal. Ele respondeu:
-
Mama, papa, dedushka. Este é o meu melhor amigo. Seu nome é Flávio.
Nada
disseram. Se entreolharam. Então vieram em minha direção,
sorrindo. Estendi a mão para cumprimentá-los. Foi quando o Vinícius
me abraçou. Então - para minha surpresa - todos eles também me
abraçaram à "moda eslava". Fiquei sem chão. Sem ar. E
sem visão também, por causa das lágrimas. Não consegui me conter.
Naquele momento, fiu tocado na mais profunda fibra do meu ser. Ainda
hoje emociono-me ao lembrar. Ao escrever isso agora, lembro-me deste
quadro em todas as suas matizes, em toda a sua intensidade.
Por hora é isso!
Até a próxima!
Nenhum comentário:
Postar um comentário