Como vão, amigos? Tudo em paz?
Conforme prometido, escrevi bastante no final de semana e dei uma boa adiantada na história. Lamento mais uma vez pela falta de posts conforme expliquei na semana passada, mas o tempo estava realmente muito curto.
"Está perdoado..."
Obrigado pelo vosso perdão, nobres. Fico aliviado...
Muito bem, vocês já esperaram demais. Enfim, a parte dez. Boa leitura!
10
O
resto da manhã e a tarde daquele dia se foram velozmente. A noite
chegou sem que eu percebesse. Tive muito tempo para pensar sobre o que me aconteceria no resto daquele ano. Depois de preparar o
jantar, deito-me no sofá. Leio e releio o prospecto que aquela
maravilhosa
me deu. Aí eu comecei a pensar nela. Me perguntei como uma beldade
daquelas tinha ido parar no Exército. O que a tinha levado a querer
seguir carreira nas Forças Armadas? Será que alguém da família
era ou tinha sido militar? De onde viera o desejo ou o incentivo para
isso? E por falar nisso, como seria a família dela? Não vi aliança
nenhuma em suas mãos. Teria alguém? Um namorado talvez?...
Perguntas,
perguntas, perguntas... Apenas questões sem resposta. E isso me
incomodava. Mas, por quê? Por quê eu tinha ficado tão mexido com
aquela aparição celestial? Não era apenas sua beleza. Não era
apenas a sua atitude bondosa e humana. Era algo mais. Não sabia
explicar...
- Oi filho. Tudo certo? - cumprimenta meu pai ao entrar na sala, me
tirando do meu estado de transe.
- Oi, pai. Como vai essa força? - respondo me sentando no sofá,
porque estava deitado nele.
- Nada bem. Nada bem mesmo. - responde com um traço qualquer de
tristeza, desabando na poltrona em que pouco antes estiveram meus
pés.
- Que que houve, velho? Qual o problema? - inquiro, preocupado. Desde
onde me lembrava, nunca tinha visto ele falar daquele jeito.
E
o que ele disse me atingiu como um soco do Mike Tyson:
- Fui demitido. - disse secamente.
- QUÊ? - exclamo, incrédulo.
- Isso mesmo. Demitido.
- Mas...mas...como? Como aconteceu? Por quê?
- Um pouco antes do fim do expediente fui chamado na administração.
E lá, fui comunicado que meus serviços não eram mais necessários
porque o "gato" estava fechando as portas e eles tinham
contratado outro para tomar conta do serviço.
- Assim? Simplesmente isso? Depois de dez anos? Não dá pra
acreditar! - digo, aumentando a minha estupefação.
- É. É isso mesmo. - e emenda - Só fico pensando como vou explicar
isto para a Eulália... - diz isto mais para si mesmo do que para
mim, se levantando e indo para a cozinha.
O
homem era a imagem da derrota, da desolação. Sua cabeça deveria
estar em turbilhão. Eu ainda não tinha maturidade suficiente na
época para entender a dimensão do que deveria estar pensando, ou
mesmo sentindo. E pra falar a verdade, acho que até hoje não tenho
como compreender. Apenas posso conjecturar.
Fiquei
me perguntando: Como as coisas podiam ser assim? Porque as pessoas
não tinham a menor consideração para com aqueles que tanto e tão
dedicadamente trabalharam em seus ofícios?
Meu
pai nunca tinha faltado um único dia sequer, nem por motivos
justificáveis. Ficou por três anos seguidos sem férias,
"vendendo-as" porque não haviam encontrado substitutos
para cobrir sua ausência. Seis dias por semana, quatro semanas por
mês, doze meses por ano, em jornadas que muitas vezes ultrapassavam
as doze horas diárias sem pagamento de extras. Apenas o maldito
banco de horas, cujo saldo nunca podia ser usado quando meu velho
precisava e cujas contas nunca fechavam. E tudo pra quê? Para isto?
Ao
refletir a respeito, senti uma profunda revolta. E este sentimento
foi a mecha que acendeu uma fornalha dentro de mim, levando-me a
fundir todos os pequenos blocos de determinação que haviam num
único, muito maior. Um sólido monolito de vontade que seria o meu
norte dali em diante. Jurei para mim mesmo que jamais passaria por
aquela suprema humilhação de ser descartado como uma camisinha
usada depois da obtenção dos prazeres. De ser varrido de seu posto
como a sujeira debaixo dos pés. Não senhor. Comigo não.
Reconheço
que hoje isso talvez pareça um pouco irracional. Mas a raiva que
sentia me anuviou a visão analítica que sempre tive. Todavia, em
outras ocasiões os sentimentos me ajudaram muito mais do que a
razão, por incrível que isso possa parecer.
Fiquei
lá, largado no sofá, ruminando. E lembrei-me que o "veinho"
nem sequer tinha se lembrado de perguntar a respeito do resultado
final da seleção, arrasado como estava. Não fui atrás dele.
Preferi deixá-lo sozinho com seus pensamentos.
Pouco
mais de uma hora depois chega a minha mãe, cheia de sacolas. Vendo
minha cara, logo concluiu que alguma coisa "não tinha
prestado":
- Que que foi, moleque? Que cara é essa? - pergunta, com aquela voz
característica de quem se prepara para bater em alguém.
- Acho melhor perguntar pro pai... - respondo, nem querendo me
intrometer no papo que pertencia a eles, e somente a eles.
- Que que foi, Flávio? Se você aprontou alguma...
- Que aprontei que nada! Não tenho nada a ver com isso, oras! Vá lá
falar com o pai que ele te explica! - interrompo, contrariado.
Pronto.
Lá se foi ela para a cozinha também sem saber que a partir de hoje
sou "empregado" do governo...
Ouço
a conversa toda, afinal, a sala estava ao lado da cozinha, sendo que
apenas uma porta ligava as duas. A princípio, as vozes eram calmas.
Mas, conforme as questões iam surgindo, iam se exaltando,
demonstrando o grau de tensão que tratar deste problema trazia, bem
como todos os outros que seriam consequência do primeiro. A
discussão toda durou um tempão. Depois, vejo minha mãe passar por
mim sem dizer palavra, entrando no quarto e fechando a porta com
estrondo. Logo concluo que era a última coisa que ela esperava que
acontecesse.
Levantei-me
e fui em direção à cozinha, onde estava meu pai, sentado na
cabeceira da mesa e olhando para o vazio. Olho para o fogão e vejo
que as panelas estavam todas fechadas, e que não haviam pratos na
mesa. Pelo jeito, o apetite faltara para ambos.
Sento-me
numa cadeira próxima à dele e falo:
-
Pai, tenho novidades.
Ele
não me olha, apenas grunhe, continuando a olhar para o nada.
-
Fui designado. - continuo - Fui aceito, pai. Devo estar no quartel na
próxima segunda-feira.
Finalmente
ele me olha e, com um sorriso amarelo diz:
-
Que bom, meu rapaz. Pelo menos uma pequena boa notícia. Pena que
agora não vai resolver o nosso problema, já que estou desempregado
a partir de hoje.
-
Mas e o seguro desemprego, pai? - pergunto, esperançoso.
-
Eu e sua mãe acabamos de fazer as contas. Nem com o que você vai
receber o orçamento fecha. O seguro equivale a dois terços do que
eu ganhava lá.
-
Mas o soldo vai ser de um salário mínimo. - replico.
-
Foi o que concluí e que foi levado em conta no cálculo. Agora, me
dê licença que eu vou para a cama. Dizem que se pensa melhor depois
de uma boa noite de sono.
Dizendo
isso, se levanta e sai sem a menor cerimônia. Eu não sabia o que
pensar, nem o que sentir ao certo, além é claro do que já tinha
sentido antes, quando fiquei sabendo do problema. Também me levanto,
apago a luz da cozinha e vou para o quarto onde já estava o meu
irmão, dormindo o sono dos justos, alheio a tudo o que estava
acontecendo. Troco de roupa, colocando o pijama que já usava há
alguns anos e me deito, apagando a luz em seguida. Não consigo pegar
no sono. Fico remoendo os acontecimentos do dia e, por incrível que
pareça, não são os problemas dos meus pais que preenchem meus
pensamentos. O que me toma de assalto é a visão da mulher mais
bonita que eu já tinha visto em toda a minha vida. E não era só a
beleza física. Era todo o conjunto, se é que dá para definir
assim. Eu quase que podia sentir aquele perfume adocicado, com um
suave toque cítrico. Assim fiquei, olhando para o telhado, no
escuro, com a imaginação me fazendo voar para longe...
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