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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Crônicas de um recruta - parte 16

Olá, amigos!

Postagem fresquinha, acabadinha de sair do forno!

Nesta, a primeira manhã como militar efetivo. Ser "civil" agora para o nosso personagem e seus amigos é coisa do passado. E, justamente por não ser mais um cidadão ele já não tem mais nenhum direito, a não ser este único: não ter direitos...

Muito bem, com vocês, a parte 16( quantas mais virão? hehehe...):




16

      A fila do barbeiro vai andando mais depressa do que eu esperava. Não demora muito até que o sargento volte com uma prancheta nas mãos, onde estão os nossos cartões de cabelo. Faz a chamada e entrega a cada um o seu. Olho para o meu. É de uma espécie de cartolina ordinária, dessas que nas papelarias custam a metade do preço de uma de boa qualidade. É pré impresso e dobrado em duas partes, sendo que numa delas - a "capa" - estão escritos os dados do sujeito, e na aba interna os quatro campos para as assinaturas. Junto vem também uma capinha plástica para teoricamente protegê-lo. Deve ser necessário mesmo, porque o material é tão ruim que deve ser imprescindível algo que o proteja de se esfarelar nas mãos.
     Coloco-o no bolso direito da gandola, logo abaixo da biriba. E penso com os meus botões que se o Ministério da Defesa economiza assim com uma miserável papeleta destas, o que não deve "espremer" em outras coisas que custam muito mais?
     Finalmente chega a minha vez e quando o tosquiador termina olho-me fixamente no espelho. Sinto-me ridículo. Envergonhado. Nunca tinha cortado o cabelo assim e percebi que o formato da minha cabeça era bem diferente do que eu imaginava. Pronto. Meus - literalmente - últimos fiapos de individualidade desapareceram ao som de um grande zangão voando pelo meu crânio que agora estava praticamente nu. Passo a mão na careca, como que para me certificar de que o que via era realmente verdade. Foi a primeira vez que me perguntei:

"Meu, o que que eu tô fazendo aqui?"

     Não tive tempo de formular qualquer resposta porque o "véio zuza" começou a gritar, ordenando que eu "saísse da moita", visto que já tinha "cagado". Melhor seria se dissesse que tinham cagado na minha cabeça. Saio do meu "transe" e me coloco na fila do lado oposto da porta onde estava aguardando o restante da tropa, conforme mandado. Continuo suando em bicas e agora com mais um troço para encher o saco; os fiapinhos de cabelo que sempre ficam após qualquer corte e que provocam coceiras abomináveis atrás das orelhas, no pescoço e nas costas, ainda mais que aquele cabeleireiro dos infernos não nos vedava direito com uma espécie de saiote de botijão de gás que usa ao fazer o serviço. Ao ver que a negada está mais incomodada do que fulano que tem pulga na cueca, o sargento ordena:
     - O primeiro que se mexer vai pagar dez! E se mais de um o fizer, todos vão pagar vinte, sem exceção. Ouviram morcegada?

"E essa agora! Acho que vou pegar um bolo de cabelo daquele e socar no pescoço deste lazarento para fazê-lo ver o que é bom pra tosse!"

     Como se não fosse o suficiente, o sargento senta-se felpudamente(explico; no jargão militar felpudo quer dizer ajeitado, confortável) num banco que havia no passeio junto à rua que passava em frente do pavilhão da intendência. Que, por sinal, estava embaixo da sombra de uma frondosa árvore. Tenho certeza que fez isso para nos provocar. É claro que se houvesse algum superior por perto ele não sentaria. Bem, no incidente da minha identificação compreendi com muita clareza a índole do sujeito.
Percebo que o Sandro, que estava duas posições à frente me olha, com uma tremenda cara de bunda. Como ele não desenvolveu muito bem a linguagem verbal(pelo menos ao que me parece), aprendeu como ninguém a transmitir o que pensa em suas expressões. Mostro para ele que também estou na mesma. Mas resigno-me, afinal não fiz todo o possível para estar aqui? Não era isso o que eu queria? Muito bem, agora aproveita!
Depois de um tempo que me pareceu uma eternidade o "ritual de passagem" acabou. O sargento se levanta de onde estava placidamente sentado e recomeça a gritaria:
     - Recrutas, ATENÇÃO! Agora que a "tosa" está feita, passaremos para a primeira seção de instrução teórica básica. Formem duas filas e sigam-me. Em forma!
Mais uma vez somos conduzidos como um bando de ovelhas pelo "pastor". Marchamos até o auditório onde eu estivera na minha primeira "visita". Lá nos esperava o "bom e velho" sargento Barreto. Fico aliviado. Não por ver aquela cara de jagunço, mas por poder sair debaixo daquele sol desgraçado. Foi um alívio muito bem vindo.
     O espaço estava agora com cadeiras de sala de aula de universidade. Não mais com simples bancos de recosto, como na outra vez. Somos ordenados a tomar nossos lugares quando há a entrega formal de comando da instrução. As "boas vindas" do jagunço foram as seguintes:
     - Tirem a "tampa do lixo", seus vermes! Não sabem que a cobertura só se usa a céu aberto? - vocifera.
Tiramos rapidamente os nossos bonés. Para não ficarmos com eles nas mãos, o sargento Barreto nos instrui a colocá-lo na grade que havia debaixo da carteira.
     A instrução teórica daquele resto de manhã consistiu em noções de hierarquia, tais como a maneira correta de se reportar, a postura e o distanciamento formal que deve haver entre praças e oficiais, a maneira correta de se prestar continência, noções de marcialidade e o respeito absoluto que se deve prestar ao pavilhão nacional, como reconhecer as insígnias dos diversos postos, etc. Não vou me aprofundar em cada um destes temas porque, se para mim já foi algo extremamente tedioso de se ouvir, vai ser ainda mais maçante de ler. Não quero que se aborreçam. Ainda mais levando-se em consideração que os militares são especializados em duas coisas nessa vida: linguagem extremamente rebuscada e cheia de termos técnicos na teoria e absolutamente suja e ofensiva na prática. Ironia? Não, é serviço militar, simplesmente...
     O tempo a partir dali demorou ainda mais para passar. Quando olho disfarçadamente para os lados, vejo alguns colegas a cabecear de sono. Muito provavelmente não estavam acostumados a acordar tão cedo. Finalmente um deles, que estava do meu lado esquerdo sucumbe ao sono, caindo com a cabeça para trás com a boca aberta. No instante em que ia voltar a olhar para frente, vejo um grande apagador acertando em cheio o peito do infeliz, que salta da cadeira como se tivesse sido atingido por um raio. Como seu joelho direito ficou enroscado na prancha de apoio para os cadernos, acaba perdendo o equilíbrio e tomba para o lado, com cadeira e tudo. A turma toda explode numa sonora risada. O "jagunço" berra mais alto do que a algazarra que se formou:
     - Silêncio, cambada! Eu disse SILÊNCIO!
Imediatamente o povo se aquieta. Nunca antes eu tinha ouvido um berro tão tenebroso. Parecia que estava com o "cão" no couro. Ele continua:
     - Já que gostam de rir do problema alheio, vão compartilhar a punição com ele! Antes do rancho, todo mundo vai formar na área do cerimonial. Lá aprenderão o que significa "confraternizar"!
     Essa, não... Estava demorando. Começo a tremer por dentro, porque depois do que vi na enfermaria na época da seleção, fiquei convencido que o "jagunço" é um sujeito meio louco. A partir dali, não consigo prestar atenção em mais nada. Não consigo desviar a mente das conjecturas do castigo que nos aguarda.


Até mais!

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