Olá, amigos!
Postagem fresquinha, acabadinha de sair do forno!
Nesta, a primeira manhã como militar efetivo. Ser "civil" agora para o nosso personagem e seus amigos é coisa do passado. E, justamente por não ser mais um cidadão ele já não tem mais nenhum direito, a não ser este único: não ter direitos...
Muito bem, com vocês, a parte 16( quantas mais virão? hehehe...):
16
A
fila do barbeiro vai andando mais depressa do que eu esperava. Não
demora muito até que o sargento volte com uma prancheta nas mãos,
onde estão os nossos cartões de cabelo. Faz a chamada e entrega a
cada um o seu. Olho para o meu. É de uma espécie de cartolina
ordinária, dessas que nas papelarias custam a metade do preço de
uma de boa qualidade. É pré impresso e dobrado em duas partes,
sendo que numa delas - a "capa" - estão escritos os dados
do sujeito, e na aba interna os quatro campos para as assinaturas.
Junto vem também uma capinha plástica para teoricamente protegê-lo.
Deve ser necessário mesmo, porque o material é tão ruim que deve
ser imprescindível algo que o proteja de se esfarelar nas mãos.
Coloco-o
no bolso direito da gandola, logo abaixo da biriba. E penso com os
meus botões que se o Ministério da Defesa economiza assim com uma
miserável papeleta destas, o que não deve "espremer" em
outras coisas que custam muito mais?
Finalmente
chega a minha vez e quando o tosquiador termina olho-me fixamente no
espelho. Sinto-me ridículo. Envergonhado. Nunca tinha cortado o
cabelo assim e percebi que o formato da minha cabeça era bem
diferente do que eu imaginava. Pronto. Meus - literalmente - últimos
fiapos de individualidade desapareceram ao som de um grande zangão
voando pelo meu crânio que agora estava praticamente nu. Passo a mão
na careca, como que para me certificar de que o que via era realmente
verdade. Foi a primeira vez que me perguntei:
"Meu,
o que que eu tô fazendo aqui?"
Não
tive tempo de formular qualquer resposta porque o "véio zuza"
começou a gritar, ordenando que eu "saísse da moita",
visto que já tinha "cagado". Melhor seria se dissesse que
tinham
cagado na minha cabeça. Saio do meu "transe" e me coloco
na fila do lado oposto da porta onde estava aguardando o restante da
tropa, conforme mandado. Continuo suando em bicas e agora com mais um
troço para encher o saco; os fiapinhos de cabelo que sempre ficam
após qualquer corte e que provocam coceiras abomináveis atrás das
orelhas, no pescoço e nas costas, ainda mais que aquele cabeleireiro
dos infernos não nos vedava direito com uma espécie de saiote de
botijão de gás que usa ao fazer o serviço. Ao ver que a negada
está mais incomodada do que fulano que tem pulga na cueca, o
sargento ordena:
-
O primeiro que se mexer vai pagar dez! E se mais de um o fizer, todos
vão pagar vinte, sem exceção. Ouviram morcegada?
"E essa agora! Acho que vou pegar um bolo de cabelo daquele e socar no
pescoço deste lazarento para fazê-lo ver o que é bom pra tosse!"
Como
se não fosse o suficiente, o sargento senta-se felpudamente(explico;
no jargão militar felpudo quer dizer ajeitado, confortável) num
banco que havia no passeio junto à rua que passava em frente do
pavilhão da intendência. Que, por sinal, estava embaixo da sombra
de uma frondosa árvore. Tenho certeza que fez isso para nos
provocar. É claro que se houvesse algum superior por perto ele não
sentaria. Bem, no incidente da minha identificação compreendi com
muita clareza a índole do sujeito.
Percebo
que o Sandro, que estava duas posições à frente me olha, com uma
tremenda cara de bunda. Como ele não desenvolveu muito bem a
linguagem verbal(pelo menos ao que me parece), aprendeu como ninguém
a transmitir o que pensa em suas expressões. Mostro para ele que
também estou na mesma. Mas resigno-me, afinal não fiz todo o
possível para estar aqui? Não era isso o que eu queria? Muito bem,
agora aproveita!
Depois
de um tempo que me pareceu uma eternidade o "ritual de passagem"
acabou. O sargento se levanta de onde estava placidamente sentado e
recomeça a gritaria:
-
Recrutas, ATENÇÃO! Agora que a "tosa" está feita,
passaremos para a primeira seção de instrução teórica básica.
Formem duas filas e sigam-me. Em forma!
Mais
uma vez somos conduzidos como um bando de ovelhas pelo "pastor".
Marchamos até o auditório onde eu estivera na minha primeira
"visita". Lá nos esperava o "bom e velho"
sargento Barreto. Fico aliviado. Não por ver aquela cara de jagunço,
mas por poder sair debaixo daquele sol desgraçado. Foi um alívio
muito bem vindo.
O
espaço estava agora com cadeiras de sala de aula de universidade.
Não mais com simples bancos de recosto, como na outra vez. Somos
ordenados a tomar nossos lugares quando há a entrega formal de
comando da instrução. As "boas vindas" do jagunço foram
as seguintes:
-
Tirem a "tampa do lixo", seus vermes! Não sabem que a
cobertura só se usa a céu aberto? - vocifera.
Tiramos
rapidamente os nossos bonés. Para não ficarmos com eles nas mãos,
o sargento Barreto nos instrui a colocá-lo na grade que havia
debaixo da carteira.
A
instrução teórica daquele resto de manhã consistiu em noções de
hierarquia, tais como a maneira correta de se reportar, a postura e o
distanciamento formal que deve haver entre praças e oficiais, a
maneira correta de se prestar continência, noções de marcialidade
e o respeito absoluto que se deve prestar ao pavilhão nacional, como
reconhecer as insígnias dos diversos postos, etc. Não vou me
aprofundar em cada um destes temas porque, se para mim já foi algo
extremamente tedioso de se ouvir, vai ser ainda mais maçante de ler.
Não quero que se aborreçam. Ainda mais levando-se em consideração
que os militares são especializados em duas coisas nessa vida:
linguagem extremamente rebuscada e cheia de termos técnicos na
teoria e absolutamente suja e ofensiva na prática. Ironia? Não, é
serviço militar, simplesmente...
O
tempo a partir dali demorou ainda mais para passar. Quando olho
disfarçadamente para os lados, vejo alguns colegas a cabecear de
sono. Muito provavelmente não estavam acostumados a acordar tão
cedo. Finalmente um deles, que estava do meu lado esquerdo sucumbe ao
sono, caindo com a cabeça para trás com a boca aberta. No instante
em que ia voltar a olhar para frente, vejo um grande apagador
acertando em cheio o peito do infeliz, que salta da cadeira como se
tivesse sido atingido por um raio. Como seu joelho direito ficou
enroscado na prancha de apoio para os cadernos, acaba perdendo o
equilíbrio e tomba para o lado, com cadeira e tudo. A turma toda
explode numa sonora risada. O "jagunço" berra mais alto do
que a algazarra que se formou:
-
Silêncio, cambada! Eu disse SILÊNCIO!
Imediatamente
o povo se aquieta. Nunca antes eu tinha ouvido um berro tão
tenebroso. Parecia que estava com o "cão" no couro. Ele
continua:
-
Já que gostam de rir do problema alheio, vão compartilhar a punição
com ele! Antes do rancho, todo mundo vai formar na área do
cerimonial. Lá aprenderão o que significa "confraternizar"!
Essa,
não... Estava demorando. Começo a tremer por dentro, porque depois
do que vi na enfermaria na época da seleção, fiquei convencido que
o "jagunço" é um sujeito meio louco. A partir dali, não
consigo prestar atenção em mais nada. Não consigo desviar a mente
das conjecturas do castigo que nos aguarda.
Até mais!
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