expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Crônicas de um recruta - parte 12

     Bom dia, boa tarde, boa noite meu povo!

     Cá estamos outra vez, com mais um "capítulo" desta "novela" em que se está transformando a história do Flávio. 
    Neste momento, ele se encontra num processo de transição por dentro e por fora. E a transformação mais difícil é a que tem de ser feita por dentro. Exige muita força de vontade e dedicação mudar-se o jeito de ser, pensar e agir. Vai ser uma luta tanto para ele como para os seus companheiros. Será que eles conseguem?
     
      Continuem acompanhando e verão!





12

     O sargento Oliveira nos conduziu até a área do cerimonial, fazendo-nos perfilar diante do pavilhão de hasteamento, onde ficam os mastros das bandeiras. O processo demora um pouco, devido ao fato de que estávamos ainda totalmente crus. O "rajado" não se incomoda com isto. Pelo jeito era instrutor experiente, sabendo lidar com novatos como nós. Formamos um quadrado de 10 homens de largura por 5 de profundidade. Olho em volta e percebo que aquele era todo o efetivo variável que prestaria serviço no "20" naquele ano. Fico à testa da primeira fila da direita, com os meus três amigos estacionados imediatamente à minha esquerda, visto que estávamos juntos no prédio da administração e assim de lá saímos. Já estavam nos esperando ali dois oficiais, um cabo e outros dois sargentos, já "velhos conhecidos" meus; o "vareta" e o "jagunço". Todos estavam em fardamento de combate. Imediatamente após a formação, ele se posta à nossa frente com as mãos para trás e começa a preleção:
    - Recrutas, mais uma vez bom dia a todos. Eu os trouxe até aqui para lhes transmitir todas as instruções relativas à sua incorporação. Prestem muita atenção, porque são muitas informações e todas são da mais alta importância para os senhores. Caso hajam dúvidas, levantem a mão e aguardem ser solicitados a questionar, entendido?
     - Sim senhor! - respondemos em uníssono.
     - Ótimo. Em primeiro lugar, eu passo a palavra ao capitão Sampaio.
Dizendo isso, posta-se ao lado do sargento Barreto, dando passagem ao oficial que estava entre os outros fardados. Este tinha um porte mediano, mais para magro. Olhos escuros e pele morena, um pouco mais baixo do que a maioria dos outros militares ali presentes. Expressão tranquila e movimentos sem aquela típica afetação dos que estão acostumados a mandar. Ele começa o falatório:
     - Bom dia, recrutas! Conforme apresentação, eu sou o capitão Sampaio, comandante da 2ª Companhia. Apresento a vocês, caso não os conheçam: À minha esquerda está o capitão Machado, comandante da 1ª Companhia. À minha direita estão os sargentos Guimarães e Barreto, bem como o cabo Maciel. Cada um deles se encarregará de uma parte específica do seu treinamento básico, que consistirá:

Fundamentos da legislação;
Postura e comportamento, bem como etiqueta militar;
Noções de hierarquia e comando;
Regulamentos de funcionamento do aquartelamento;
TFM(treinamento físico militar);
Cuidados com o uniforme e aparência geral;
TPP(treinamento prático profissional);
Técnicas de combate corpo-a-corpo;
Montagem, desmontagem e uso de AL(armamento letal);
Treinamento básico de tiro e
Técnicas de orientação, camuflagem e navegação.
E continua:
     - Também haverá, após este período de preparação, os testes no "Campo Base", onde suas aptidões pós instrução elementar serão postas à prova. Aqueles que forem aprovados nesta bateria de testes serão elevados ao status de soldado de segunda classe, tendo então o direito de usar a boina preta, como infantes plenos. Os que forem reprovados passarão por um novo período de instrução e após isso farão um novo teste no mesmo campo base. Por hora, isto é o que eu tinha para lhes repassar. Sejam bem vindos ao Exército Brasileiro!
     - BRASIL! - falam em voz alta tanto o capitão Sampaio quanto os demais fardados.
     - Oliveira, é com você. - diz o capitão, olhando em direção ao primeiro sargento.
     Este sai de onde estava, se posta em frente ao Sampaio e lhe presta continência, após o que "dá um 180°" e se volta para nós. Nisso, os oficiais e os outros sargentos se retiram, cada um para os seus PT's (posto de trabalho), com certeza para dar sequência à nossa instrução naquela manhã. Então recomeça a falar:
     - Cada um dos senhores recebeu seus formulários de designação?
     - Sim, senhor!
     - Bom. Caso não os tenham lido ainda, estes documentos contém seu nome de guerra - que é como serão chamado daqui em diante - seu posto e número de série. Nele vocês escreverão - após prova - os tamanhos das peças de seu uniforme e dos coturnos, após o que os entregarão ao responsável pelos suprimentos, entendido?
     - Sim, senhor!
    - Ótimo. Agora quero que os senhores formem novamente duas filas e me sigam até o almoxarifado.
Desta vez foram formadas um pouco mais rápido, o povão já estava pegando a prática.
     - Ordinário, marche! - ordena o sargento.
      E lá fomos nós, em direção ao almoxarifado num passo ainda não muito cadenciado, afinal a tigrada ainda era "cabaço". Saímos da área do cerimonial pela esquerda e nos voltamos para dois prédios, um em frente ao outro que estavam atrás de nós e seguimos em sua direção. Quando lá chegamos, fomos ordenados a esperar no pátio que se espraiava em frente às entradas, que também ficavam frente a frente. Numa delas se lia "Almoxarifado" pintado mesmo padrão; letras verde oliva. Na outra estava escrito "Mat Bel", ou material bélico. O sargento Oliveira nos deixa ali e entra no prédio do "almox". Cinco minutos depois volta e ordena:
      - Primeiros 25, fila da direita, entrando! Os demais, aguardem aqui.
     Obedecendo o comando, entro no prédio indicado, já que estava na primeira fila. O almoxarifado do "20" era enorme, dando a impressão de que era muito maior por dentro do que por fora. Tinha dois andares, sendo que no térreo ficavam os guichês de distribuição de material e no primeiro os depósitos. Era estreito e comprido, com um pequeno corredor perpendicular que se ligava a outro corredor central que se comunicava com salas dos dois lados. Aquela estrutura me lembrava muito um pavilhão do colégio estadual onde eu tinha estudado. O piso também era de tacos escuros, como tinha visto antes no auditório e na enfermaria. Presumi que todas as edificações daquele batalhão deveriam ter esse padrão.
O sargento nos conduz pelo pequeno hall de entrada ao corredor à esquerda e paramos no primeiro guichê onde estavam três soldados a postos. E explica:
    - Em poder dos senhores está o formulário de requisição de uniforme em seu nome. Cada um fará a prova e após achar seu número de cada uma das peças, preencherá o tamanho no seu campo específico. Este formulário ficará retido. Alguma dúvida?
     - Não, senhor!
     - Ótimo. Após este guichê há uma sala onde poderão fazer a prova. Presumo que cada um dos senhores deva saber pelo menos aproximadamente o tamanho de suas roupas. Neste caso, peçam de acordo com o que achar adequado. Caso precisem trocar algo enquanto na sala de provas, há uma janela de comunicação entre este guichê e a sala. Não saiam novamente para o corredor, para não causar tumultos, entendido?
     - Sim, senhor!
   - Muito bem. Primeiros três, ao balcão. Os demais, aguardem ser chamados pelos soldados. Alguma dúvida?
Nisso, um gaiato lá do fundo, um dos últimos da "minha" fila levanta a mão. Sujeito magro e desengonçado, pouca coisa mais baixo que eu.
     - Fale, recruta! Qual o seu nome?
  - Ricardo, senhor. O almoxarifado tem botas tamanho 46? - pergunta, um tanto constrangido.
Olho para trás no impulso e direito para os pés do sujeito. E o que vejo me faz dar vontade de rir. O cara parecia um "L". Nunca tinha visto antes alguém com aquele biotipo.
O sargento não responde, simplesmente se acerca do sujeito e olha primeiro para os seus pés, depois para os soldados no guichê, com a boca franzida e olhar inquisitivo:
     - Temos, soldado Rafael? Afinal, achamos um "raro" que é "pé de pato".
Nisso há um estouro de risadas, deixando o pobre diabo morto de vergonha.
    - Francamente senhor, acho que não. Vou verificar. - responde o soldado, abafando o riso.
     - Faça isso, quando chegar a vez do "EV".
E olhando para os demais ele diz:
  - Prossigam com o processo, quero todos uniformizados em 20 minutos. E nada de gracinhas. Comecem! - ordena, já de forma mais ríspida.

"Pelo jeito, já acabou o amor..."

Assim, rapidamente vou deixando de ser civil, sendo o último vestígio da minha "civilidade" as roupas que vou tirar em alguns minutos.

Continua...

Até a próxima!
     

Nenhum comentário:

Postar um comentário