Bom dia, boa tarde, boa noite meu povo!
Cá estamos outra vez, com mais um "capítulo" desta "novela" em que se está transformando a história do Flávio.
Neste momento, ele se encontra num processo de transição por dentro e por fora. E a transformação mais difícil é a que tem de ser feita por dentro. Exige muita força de vontade e dedicação mudar-se o jeito de ser, pensar e agir. Vai ser uma luta tanto para ele como para os seus companheiros. Será que eles conseguem?
Continuem acompanhando e verão!
12
O
sargento Oliveira nos conduziu até a área do cerimonial,
fazendo-nos perfilar diante do pavilhão de hasteamento, onde ficam
os mastros das bandeiras. O processo demora um pouco, devido ao fato
de que estávamos ainda totalmente crus. O "rajado" não se
incomoda com isto. Pelo jeito era instrutor experiente, sabendo lidar
com novatos como nós. Formamos um quadrado de 10 homens de largura
por 5 de profundidade. Olho em volta e percebo que aquele era todo o
efetivo variável que prestaria serviço no "20" naquele
ano. Fico à testa da primeira fila da direita, com os meus três
amigos estacionados imediatamente à minha esquerda, visto que
estávamos juntos no prédio da administração e assim de lá
saímos. Já estavam nos esperando ali dois oficiais, um cabo e
outros dois sargentos, já "velhos conhecidos" meus; o
"vareta" e o "jagunço". Todos estavam em
fardamento de combate. Imediatamente após a formação, ele se posta
à nossa frente com as mãos para trás e começa a preleção:
-
Recrutas, mais uma vez bom dia a todos. Eu os trouxe até aqui para
lhes transmitir todas as instruções relativas à sua incorporação.
Prestem muita atenção, porque são muitas informações e todas são
da mais alta importância para os senhores. Caso hajam dúvidas,
levantem a mão e aguardem ser solicitados a questionar, entendido?
-
Sim senhor! - respondemos em uníssono.
-
Ótimo. Em primeiro lugar, eu passo a palavra ao capitão Sampaio.
Dizendo
isso, posta-se ao lado do sargento Barreto, dando passagem ao oficial
que estava entre os outros fardados. Este tinha um porte mediano,
mais para magro. Olhos escuros e pele morena, um pouco mais baixo do
que a maioria dos outros militares ali presentes. Expressão
tranquila e movimentos sem aquela típica afetação dos que estão
acostumados a mandar. Ele começa o falatório:
-
Bom dia, recrutas! Conforme apresentação, eu sou o capitão
Sampaio, comandante da 2ª Companhia. Apresento a vocês, caso não
os conheçam: À minha esquerda está o capitão Machado, comandante
da 1ª Companhia. À minha direita estão os sargentos Guimarães e
Barreto, bem como o cabo Maciel. Cada um deles se encarregará de uma
parte específica do seu treinamento básico, que consistirá:
Fundamentos
da legislação;
Postura
e comportamento, bem como etiqueta militar;
Noções
de hierarquia e comando;
Regulamentos
de funcionamento do aquartelamento;
TFM(treinamento
físico militar);
Cuidados
com o uniforme e aparência geral;
TPP(treinamento
prático profissional);
Técnicas
de combate corpo-a-corpo;
Montagem,
desmontagem e uso de AL(armamento letal);
Treinamento
básico de tiro e
Técnicas
de orientação, camuflagem e navegação.
E
continua:
-
Também haverá, após este período de preparação, os testes no
"Campo Base", onde suas aptidões pós instrução
elementar serão postas à prova. Aqueles que forem aprovados nesta
bateria de testes serão elevados ao status de soldado de segunda
classe, tendo então o direito de usar a boina preta, como infantes
plenos. Os que forem reprovados passarão por um novo período de
instrução e após isso farão um novo teste no mesmo campo base.
Por hora, isto é o que eu tinha para lhes repassar. Sejam bem vindos
ao Exército Brasileiro!
-
BRASIL! - falam em voz alta tanto o capitão Sampaio quanto os demais
fardados.
-
Oliveira, é com você. - diz o capitão, olhando em direção ao
primeiro sargento.
Este
sai de onde estava, se posta em frente ao Sampaio e lhe presta
continência, após o que "dá um 180°" e se volta para
nós. Nisso, os oficiais e os outros sargentos se retiram, cada um
para os seus PT's (posto de trabalho), com certeza para dar sequência
à nossa instrução naquela manhã. Então recomeça a falar:
-
Cada um dos senhores recebeu seus formulários de designação?
-
Sim, senhor!
-
Bom. Caso não os tenham lido ainda, estes documentos contém seu
nome de guerra - que é como serão chamado daqui em diante - seu
posto e número de série. Nele vocês escreverão - após prova - os
tamanhos das peças de seu uniforme e dos coturnos, após o que os
entregarão ao responsável pelos suprimentos, entendido?
-
Sim, senhor!
-
Ótimo. Agora quero que os senhores formem novamente duas filas e me
sigam até o almoxarifado.
Desta
vez foram formadas um pouco mais rápido, o povão já estava pegando
a prática.
-
Ordinário, marche! - ordena o sargento.
E
lá fomos nós, em direção ao almoxarifado num passo ainda não
muito cadenciado, afinal a tigrada ainda era "cabaço".
Saímos da área do cerimonial pela esquerda e nos voltamos para dois
prédios, um em frente ao outro que estavam atrás de nós e seguimos
em sua direção. Quando lá chegamos, fomos ordenados a esperar no
pátio que se espraiava em frente às entradas, que também ficavam
frente a frente. Numa delas se lia "Almoxarifado" pintado
mesmo padrão; letras verde oliva. Na outra estava escrito "Mat
Bel", ou material bélico. O sargento Oliveira nos deixa ali e
entra no prédio do "almox". Cinco minutos depois volta e
ordena:
- Primeiros 25, fila da direita, entrando! Os demais, aguardem aqui.
Obedecendo
o comando, entro no prédio indicado, já que estava na primeira
fila. O almoxarifado do "20" era enorme, dando a impressão
de que era muito maior por dentro do que por fora. Tinha dois
andares, sendo que no térreo ficavam os guichês de distribuição
de material e no primeiro os depósitos. Era estreito e comprido, com
um pequeno corredor perpendicular que se ligava a outro corredor
central que se comunicava com salas dos dois lados. Aquela estrutura
me lembrava muito um pavilhão do colégio estadual onde eu tinha
estudado. O piso também era de tacos escuros, como tinha visto antes
no auditório e na enfermaria. Presumi que todas as edificações
daquele batalhão deveriam ter esse padrão.
O
sargento nos conduz pelo pequeno hall de entrada ao corredor à
esquerda e paramos no primeiro guichê onde estavam três soldados a
postos. E explica:
-
Em poder dos senhores está o formulário de requisição de uniforme
em seu nome. Cada um fará a prova e após achar seu número de cada
uma das peças, preencherá o tamanho no seu campo específico. Este
formulário ficará retido. Alguma dúvida?
-
Não, senhor!
-
Ótimo. Após este guichê há uma sala onde poderão fazer a prova.
Presumo que cada um dos senhores deva saber pelo menos
aproximadamente o tamanho de suas roupas. Neste caso, peçam de
acordo com o que achar adequado. Caso precisem trocar algo enquanto
na sala de provas, há uma janela de comunicação entre este guichê
e a sala. Não saiam novamente para o corredor, para não causar
tumultos, entendido?
-
Sim, senhor!
-
Muito bem. Primeiros três, ao balcão. Os demais, aguardem ser
chamados pelos soldados. Alguma dúvida?
Nisso,
um gaiato lá do fundo, um dos últimos da "minha" fila
levanta a mão. Sujeito magro e desengonçado, pouca coisa mais baixo
que eu.
-
Fale, recruta! Qual o seu nome?
-
Ricardo, senhor. O almoxarifado tem botas tamanho 46? - pergunta, um
tanto constrangido.
Olho
para trás no impulso e direito para os pés do sujeito. E o que vejo
me faz dar vontade de rir. O cara parecia um "L". Nunca
tinha visto antes alguém com aquele biotipo.
O
sargento não responde, simplesmente se acerca do sujeito e olha
primeiro para os seus pés, depois para os soldados no guichê, com a
boca franzida e olhar inquisitivo:
-
Temos, soldado Rafael? Afinal, achamos um "raro" que é "pé
de pato".
Nisso
há um estouro de risadas, deixando o pobre diabo morto de vergonha.
-
Francamente senhor, acho que não. Vou verificar. - responde o
soldado, abafando o riso.
-
Faça isso, quando chegar a vez do "EV".
E
olhando para os demais ele diz:
- Prossigam
com o processo, quero todos uniformizados em 20 minutos. E nada de
gracinhas. Comecem! - ordena, já de forma mais ríspida.
"Pelo jeito, já acabou o amor..."
"Pelo jeito, já acabou o amor..."
Assim,
rapidamente vou deixando de ser civil, sendo o último vestígio da
minha "civilidade" as roupas que vou tirar em alguns
minutos.
Continua...
Até a próxima!
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