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terça-feira, 29 de março de 2016

Crônicas de um recruta - parte 32

     Saudações, nobres leitores.

     Postando hoje mais um capítulo das crônicas do Flávio e seus três amigos, sobrevivendo ao treinamento básico da Infantaria.

     O que será que aconteceu com eles? Vamos ler?


32

     Meu palpite se provou completamente errado. Logo após o almoço, fomos ordenados a ir para o alojamento trocar a farda por um conjunto de malha e os coturnos por uma espécie de "conga" ordinária - que nos haviam sido fornecidos na semana anterior - para o TFM. Acontece que seria TFM "estático". Não sairíamos do batalhão. Fomos mandados para a pista de atletismo. Lá nos esperava o sargento "batatinha". E olha, foi bastante puxado. Flexões de braço, agachamentos, polichinelos, genuflexões, barra fixa vertical, barra fixa horizontal e levantamento de peso. Por fim, 45 minutos de corrida de resistência cantando aquelas canções militares, que repetíamos depois que um cabo ordenança do "batatinha" as "declamava" ao correr conosco. Tinha de ser, afinal aquele escroto não aguentaria nem se levantar da arquibancada...
     Aquilo tudo durou até por volta da 4 horas da tarde. Três dos nossos não aguentaram o rojão e deram entrada na enfermaria, não antes de decorar uma parte da pista com o que tinham comido no almoço. Infelizmente, um deles era o Sandro. Agradeci aos céus que o dia estava nublado e frio, porque quase cheguei a este ponto. Se estivesse um pouco mais quente teria me juntado a eles. Finalmente o instrutor nos dispensa, depois de estar plenamente satisfeito com o nosso sangue. "Misericordiosamente" não exigiu ainda mais de nós. Nos arrastamos até o alojamento para tirar aquela roupa empapada e tomar um bom banho. A caldeira tinha sido ligada há pouco. Seríamos os primeiros, e achei isso muito bom porque não teríamos de nos encontrar com a primeira leva dos "antigos", a nos encher o saco por estarmos usando a "sua" água quente.
   Por fim fomos para o alojamento e lá ficamos "largados". Conversamos baixinho, trocando impressões entre nós. Muitos resolvem deitar-se em suas camas e ressonam, moídos como estavam. Como sempre, me aproximei dos meus amigos. Discutimos se deveríamos ir até a enfermaria a fim de saber como estava o "mineirim". O problema é que nem sabíamos para quem solicitar. Falo para o Jackson e o "husky":
     - Acho que neste caso não precisamos pedir autorização para ninguém. Nós não estamos em instrução, e até agora ninguém veio aqui para nos levar a lugar algum. São quase cinco horas - digo, olhando para o relógio na parede - e presumo que não virão nos buscar até as seis. Lembram-se como foi a coisa na semana passada?
     - Pode ser, mas e se vier alguém antes e não estivermos aqui? - pergunta o Jackson, preocupado.
     - Simples. Pedimos pra um dos colegas avisarem que fomos até a enfermaria. E que voltaremos o mais rápido possível.
      - Eu vou contigo. - fala o Vinícius.
      - Prefiro ficar. Eu falo aonde foram se necessário. - diz o Jackson.
     - Está certo. Vamos nessa? - pergunto ao Vinícius.
     - Da! - responde ele, assentindo.
     - O que isso significa? - pergunto.
     - Sim, em russo. - responde, já se colocando em movimento.
     Já conhecíamos razoavelmente bem aquelas instalações, de modo que não seria difícil encontrar a enfermaria. Só demoramos para chegar lá porque sentíamos dores em músculos que nem sabíamos que existiam. A pior parte foi descer as escadas do nosso pavilhão. Noto que o Vinícius olha discretamente para todos os lados, incomodado. Parece até que está sendo perseguido por alguém. Confesso que também não estou lá muito à vontade. Sinto-me um tanto perdido longe do "rebanho", sem um "pastor" a nos conduzir. A impressão é de que seremos atacados por uma matilha de lobos vorazes a qualquer momento. Subitamente, ele me diz:
     - Você viu aquilo?
     - Vi o que? - respondo.
     - Lembra daquele bundão que chorou a noite toda na segunda-feira passada?
     - O Silveira? Sim. E daí?
     - Acabo de vê-lo passando perto do rancho, escoltado por três caras da PE.
Aí é a minha vez de ficar espantado:
     - Não brinca! Tem certeza de que é ele?
     - Aquela cara de cuzão e os coturnos tamanho 46 são inconfundíveis... - responde, com um leve ar de sarcasmo.
     - Mas ele estava fardado? - pergunto, desorientado.
O russinho nada responde. Apenas me olha com cara de "o que você acha?". Percebi então que estava fazendo perguntas idiotas.
     - Esse aí "tá fuzilado". - murmuro, sem questionar mais nada.
Foi só aí que entendi porque o Vinícius estava com o "radar ligado". Não estava com medo, mas sim observando a cena tétrica sem querer dar muito na vista.
     Quando chegamos na enfermaria, o Sandro já tinha dado alta e estava saindo. Nos encontramos no corredor do pavilhão. Ainda um pouco trôpego, mas bom o suficiente para andar com as próprias pernas. Ao nos ver sorriu, com expressão de alívio:
     - Bom ver vocês. Nunca pensei que fosse correr até vomitar as tripas! Maldito seja o "batatinha". Porque esta sugação?
      - Bom te ver também velho. Ficamos preocupados. - responde o Vinícius.
      - Bom, pelo menos você já se recuperou. - respondo, surpreso porque aquela foi a frase mais longa que o ouvi dizer desde que nos conhecemos.
     Retornamos para o nosso alojamento. Nenhuma novidade. Ninguém apareceu. Meus amigos se reúnem num canto para bater papo. Moído como estou, resolvo deitar na minha cama. Em cinco minutos, adormeço. 

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