expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

terça-feira, 22 de março de 2016

Crônicas de um recruta - parte 29

     Olá, mundo!

     Cá estoy, muchachos! E com mais um capítulo desta saga divertida, ácida e gostosa de se ler...

     A segunda semana de I&I (Instrução/Internato) começa. O que será que acontecerá, pessoas?

     Vamos ver, isto é, ler?


29


     São 04:30 da manhã de segunda-feira, 20 de março de 1997. Acabo de levantar-me da cama. Como divido o quarto com o meu irmão ele acorda junto comigo, por causa do escândalo que aquele velho despertador de corda fazia. É claro que uma torrente de resmungos e reclamações dele seguiram-se a este rude despertar:
     - Mas que bosta! Não dá nem pra gente dormir sossegado? Porque você tem de ligar essa porcaria, Flávio?
     - Moleque, me faz um favor? Dorme aí e vê se não enche o saco! Eu te avisei ontem que ia acordar muito cedo hoje. E que pra isso eu ia ajustar o despertador para tocar nessa hora.
    - Mas será que você não consegue acordar sem ele, mané? - retruca, com a voz engrolada de sono.
      - O que é que você acha, paspalhão? E quer saber? Os incomodados que se mudem. Chega de papo! Dorme aí e não torra a paciência! - respondo, alterando a voz e fazendo um gesto de desprezo em sua direção.
     Ele resmunga mais um pouco, cobre a cabeça com o seu velho cobertor surrado e rola na cama, ficando como o rosto contra a parede. Visto-me o mais rápido possível porque eu entendia o Marcos. As aulas já haviam começado e ele teria de levantar cedo também. E assistir aula de manhã com sono é horrível, eu sabia disso muito bem. Passo para o corredor, apago a luz do quarto e fecho a porta. Me ocorre que foi uma "calorosa" despedida de quem ia ficar uma semana sem me ver. Não dou a mínima.
     Faço o café, como uns "bolo frito" feitos das sobras da massa de pão que fora assado na véspera e que tinham sobrado do café da manhã de domingo. Passo para a sala e abro a porta que dá para a calçada que leva até o portão, a fim de dar uma espiada no tempo lá fora. É um gélido fim de madrugada. Um espesso nevoeiro ocupa tudo, como se estivéssemos no fundo de um oceano de algodão. Olho para o gramado. Ainda não foi desta vez que geou. Volto para dentro de casa fechando a porta atrás de mim com delicadeza para não acordar meus pais. Decido "esquentar o pelo" com mais uma caneca de café antes de sair. Olho para o relógio da sala e constato que ainda dá tempo.
     Saio para a rua às 5:00 em ponto. À distância vejo os faróis do ônibus quando chego na parada. "Parada"... Um eufemismo, na verdade. Não havia proteção ou cobertura alguma. Apenas uma plaquinha amarela com letras pretas afixada no poste com arame. Está muito frio. Faz pouquíssimo tempo que saí de casa e já estou batendo os dentes. Como no dia da cerimônia de incorporação, estou pouco agasalhado. Ainda não nos foram fornecidos uniformes de inverno e não posso colocar absolutamente nenhum tipo de roupa civil por cima. É o regulamento. Que se "phoda" o milico se não estiver ou puder estar adequadamente vestido. De qualquer forma, o futuro diria que este era o menor dos meus problemas.
     No Terminal do Cabral encontro praticamente a maioria dos meus colegas recrutas do "20", bem como os que foram incorporados no 27° Batalhão Logístico e os do Parque de Manutenção, todos ali perto. Foi uma festa. Os únicos que não confraternizavam eram os do Infantaria da Aeronáutica. Os "caga cheiroso" não se misturavam com a "ralé". Pior pra eles. A gente se divertia muito mais...
    Olhando para aquela farândula me lembrei do que disse a semana passada o cabo Maciel; "Recruta é que nem pombo. Sempre em bando, sempre voando e sempre cagando". Sorri por dentro ao entender o pleno significado desta expressão. Chegamos no portão do "20" faltando cinco minutos para as 6:00. Interpelados pelo sentinela, nosso acesso é negado porque não portávamos o DIM (documento de identificação militar). Argumentei que NENHUM dos recrutas tinha recebido este ainda, porque não estavam prontos. Ainda assim, fomos ordenados a ficar onde estávamos até que um superior seu decidisse o que fazer. Nisso, ainda mais recrutas foram chegando e recebiam a mesma ordem. Nos entreolhamos indignados. Quanta estupidez, meu Deus!, Não temos cara de milico, biriba de milico, cabelo de milico, uniforme de milico? Nós não nos parecemos como milicos? Então SOMOS milicos, cacete!!
     Nisso o tempo passa rapidamente. Já estamos atrasados. Ficamos ali estacados por quase dez minutos(e nesse meio tempo, o povo se acumulando) até que o sargento-de-dia se dignasse a aparecer e nos liberasse a entrada. Andamos o mais rápido que pudemos até a área do cerimonial. Lá estava - bufando - o sargento Barreto. Só de ver sua cara já me deu desespero. E aqui cabe uma reflexão.
     Mais tarde eu vim a compreender que para um militar a maior de todas as afrontas era ter de ficar esperando por subordinados. Nas suas cabeças altamente formatadas pelo regulamento rígido e dogmas corporativos, esta era uma das coisas que estavam abaixo de sua dignidade. Eu até compreendo que ser pontual é uma virtude. Só que existem duas virtudes ainda maiores chamadas exemplo e coerência. Há um ditado que diz que quem comanda, comanda com o exemplo. Muito bem; o que se cobrava de nós em matéria de disciplina e pontualidade nem sempre era cumprido à risca por nossos superiores. Aliás, quase nunca, salvo uma ou outra honrosa exceção. Apenas para vocês terem ideia do que estou falando: A partir da nossa primeira semana de instrução, o TFM foi ministrado por um sargento barrigudo, baixote e gordinho alcunhado "batatinha". O cúmulo do ridículo era quando saíamos em "trote Truscott" fora das dependências do quartel, circundando o "20", o 27 BLog. e o Parque Regional de Manutenção do Exército - num circuito de aproximadamente 8 quilômetros - com o sujeito felpudamente acomodado dentro de um jipe com um soldado motorista, berrando como um labrego qualquer a tanger seu "gado camuflado". Responde aí; com que coerência e conhecimento prático um sujeito desses podia nos cobrar boa forma física?
     E de qualquer forma, naquele momento nós não estávamos atrasados por negligência nossa. Foi o próprio sistema que nos sabotou. E ele deveria saber disso. Formamos em sua frente, recebemos a habitual torrente de insultos e pagamos dez para ele a fim de aplacar sua ira santa. Não adiantou levantar a mão e tentar explicar o que aconteceu. Não teve acordo. E como eu já era 'visado", tive de pagar mais dez na frente da tropa. Como se costuma dizer:

"Enquanto o Exército for eterno, pau no c* do mais moderno..."

É isso aí.

Nenhum comentário:

Postar um comentário