Olá, mundo!
Cá estoy, muchachos! E com mais um capítulo desta saga divertida, ácida e gostosa de se ler...
A segunda semana de I&I (Instrução/Internato) começa. O que será que acontecerá, pessoas?
Vamos ver, isto é, ler?
29
São
04:30 da manhã de segunda-feira, 20 de março de 1997. Acabo de
levantar-me da cama. Como divido o quarto com o meu irmão ele acorda
junto comigo, por causa do escândalo que aquele velho despertador de
corda fazia. É claro que uma torrente de resmungos e reclamações
dele seguiram-se a este rude despertar:
-
Mas que bosta! Não dá nem pra gente dormir sossegado? Porque você
tem de ligar essa porcaria, Flávio?
-
Moleque, me faz um favor? Dorme aí e vê se não enche o saco! Eu te
avisei ontem que ia acordar muito cedo hoje. E que pra isso eu ia
ajustar o despertador para tocar nessa hora.
-
Mas será que você não consegue acordar sem ele, mané? - retruca,
com a voz engrolada de sono.
-
O que é que você acha, paspalhão? E quer saber? Os incomodados que
se mudem. Chega de papo! Dorme aí e não torra a paciência! -
respondo, alterando a voz e fazendo um gesto de desprezo em sua
direção.
Ele
resmunga mais um pouco, cobre a cabeça com o seu velho cobertor
surrado e rola na cama, ficando como o rosto contra a parede.
Visto-me o mais rápido possível porque eu entendia o Marcos. As
aulas já haviam começado e ele teria de levantar cedo também. E
assistir aula de manhã com sono é horrível, eu sabia disso muito
bem. Passo para o corredor, apago a luz do quarto e fecho a porta. Me
ocorre que foi uma "calorosa" despedida de quem ia ficar
uma semana sem me ver. Não dou a mínima.
Faço
o café, como uns "bolo frito" feitos das sobras da massa
de pão que fora assado na véspera e que tinham sobrado do café da
manhã de domingo. Passo para a sala e abro a porta que dá para a
calçada que leva até o portão, a fim de dar uma espiada no tempo
lá fora. É um gélido fim de madrugada. Um espesso nevoeiro ocupa
tudo, como se estivéssemos no fundo de um oceano de algodão. Olho
para o gramado. Ainda não foi desta vez que geou. Volto para dentro
de casa fechando a porta atrás de mim com delicadeza para não
acordar meus pais. Decido "esquentar o pelo" com mais uma
caneca de café antes de sair. Olho para o relógio da sala e
constato que ainda dá tempo.
Saio
para a rua às 5:00 em ponto. À distância vejo os faróis do ônibus
quando chego na parada. "Parada"... Um eufemismo, na
verdade. Não havia proteção ou cobertura alguma. Apenas uma
plaquinha amarela com letras pretas afixada no poste com arame. Está
muito frio. Faz pouquíssimo tempo que saí de casa e já estou
batendo os dentes. Como no dia da cerimônia de incorporação, estou
pouco agasalhado. Ainda não nos foram fornecidos uniformes de
inverno e não posso colocar absolutamente nenhum tipo de roupa civil
por cima. É o regulamento. Que se "phoda" o milico se não
estiver ou puder estar adequadamente vestido. De qualquer forma, o
futuro diria que este era o menor dos meus problemas.
No
Terminal do Cabral encontro praticamente a maioria dos meus colegas
recrutas do "20", bem como os que foram incorporados no 27°
Batalhão Logístico e os do Parque de Manutenção, todos ali perto.
Foi uma festa. Os únicos que não confraternizavam eram os do
Infantaria da Aeronáutica. Os "caga cheiroso" não se
misturavam com a "ralé". Pior pra eles. A gente se
divertia muito mais...
Olhando
para aquela farândula me lembrei do que disse a semana passada o
cabo Maciel; "Recruta é que nem pombo. Sempre em bando, sempre
voando e sempre cagando". Sorri por dentro ao entender o pleno
significado desta expressão. Chegamos no portão do "20"
faltando cinco minutos para as 6:00. Interpelados pelo sentinela,
nosso acesso é negado porque não portávamos o DIM (documento de
identificação militar). Argumentei que NENHUM dos recrutas tinha
recebido este ainda, porque não estavam prontos. Ainda assim, fomos
ordenados a ficar onde estávamos até que um superior seu decidisse
o que fazer. Nisso, ainda mais recrutas foram chegando e recebiam a
mesma ordem. Nos entreolhamos indignados. Quanta estupidez, meu
Deus!, Não temos cara de milico, biriba de milico, cabelo de milico,
uniforme de milico? Nós não nos parecemos como milicos? Então
SOMOS milicos, cacete!!
Nisso
o tempo passa rapidamente. Já estamos atrasados. Ficamos ali
estacados por quase dez minutos(e nesse meio tempo, o povo se
acumulando) até que o sargento-de-dia se dignasse a aparecer e nos
liberasse a entrada. Andamos o mais rápido que pudemos até a área
do cerimonial. Lá estava - bufando - o sargento Barreto. Só de ver
sua cara já me deu desespero. E aqui cabe uma reflexão.
Mais
tarde eu vim a compreender que para um militar a maior de todas as
afrontas era ter de ficar esperando por subordinados. Nas suas
cabeças altamente formatadas pelo regulamento rígido e dogmas
corporativos, esta era uma das coisas que estavam abaixo de sua
dignidade. Eu até compreendo que ser pontual é uma virtude. Só que
existem duas virtudes ainda maiores chamadas exemplo e coerência. Há
um ditado que diz que quem comanda, comanda com o exemplo. Muito bem;
o que se cobrava de nós em matéria de disciplina e pontualidade nem
sempre era cumprido à risca por nossos superiores. Aliás, quase
nunca, salvo uma ou outra honrosa exceção. Apenas para vocês terem
ideia do que estou falando: A partir da nossa primeira semana de
instrução, o TFM foi ministrado por um sargento barrigudo, baixote
e gordinho alcunhado "batatinha". O cúmulo do ridículo
era quando saíamos em "trote Truscott" fora das
dependências do quartel, circundando o "20", o 27 BLog. e
o Parque Regional de Manutenção do Exército - num circuito de
aproximadamente 8 quilômetros - com o sujeito felpudamente acomodado
dentro de um jipe com um soldado motorista, berrando como um labrego
qualquer a tanger seu "gado camuflado". Responde aí; com
que coerência e conhecimento prático um sujeito desses podia nos
cobrar boa forma física?
E
de qualquer forma, naquele momento nós não estávamos atrasados por
negligência nossa. Foi o próprio sistema que nos sabotou. E ele
deveria saber disso. Formamos em sua frente, recebemos a habitual
torrente de insultos e pagamos dez para ele a fim de aplacar sua ira
santa. Não adiantou levantar a mão e tentar explicar o que
aconteceu. Não teve acordo. E como eu já era 'visado", tive de
pagar mais dez na frente da tropa. Como se costuma dizer:
"Enquanto
o Exército for eterno, pau no c* do mais moderno..."
É
isso aí.
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