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sábado, 19 de março de 2016

Cronicas de um recruta - Parte 27

     Bom dia, boa tarde, boa noite fiéis leitores!

     Cá estamos mais uma vez com mais um capítulo desta estimulante e divertida estória do recruta que já faz parte do nosso imaginário, com por exemplo o Recruta Zero(quanta pretensão!)...
     O que acontece com ele? Por que ele age de determinadas maneiras? O que espera da vida e o que quer fazer com ela? Qual será o seu futuro?

     Acompanhem e verão, meus caros...

     Aí está!




27

Pago a passagem e entro no terminal lotado. Ando garbosamente por entre as pessoas. Muitos me olham discretamente. Alguns com respeito. Outros com inveja. Mas o que me interessava mesmo eram os olhares femininos, que não tardaram a aparecer.  São quase dezoito horas. Horário de pico. Saída do trabalho e das escolas. Muitas menininhas de colégio e outras empregadas do comércio e serviços no centro de Curitiba retornando para suas casas depois de mais um longo dia. Fico todo empertigado, com o peito estufado e um olhar afetado e distante. Finalmente o ônibus expresso chega, abrindo suas portas. Imediatamente me lembro da parte da instrução sobre disciplina, traquejo e respeito à instituição. Gravou-se na minha mente como que com um ferro de marcar. Não entro dentro dele como um civil fazendo parte daquele estouro de boiada, onde as pessoas se acotovelam para entrar em espaço tão exíguo. Como por obrigação tinha de ser cavalheiro, nem sequer fiz menção de tentar embarcar. Fico ali observando. E o que vejo é uma luta desigual. As pessoas maiores e mais fortes se prevalecem disso, empurrando as demais, levando-as de cambulhada e até mesmo deslocando as menores para fora. Faixa etária, sexo, idade. Nada disso importava."Primeiro eu!", estava patente por onde quer que olhasse. Comecei então a refletir nisso e senti um pouco de vergonha. Sim, vergonha porque até pouquíssimo tempo atrás eu tinha esse tipo de comportamento. Engraçado como nossas experiências na vida nos fazem enxergar coisas que de outro modo passariam despercebidas.
Aquele ônibus veio e se foi, assim como outros quatro. Todos lotados. Eu estava cansado. Mas resolvi esperar até que as coisas se acalmassem um pouco. Olho em volta. O sol começa a ser pôr. Mais um expresso chega, abre suas portas, põe pra fora pequena parte de sua carga humana e fica ainda mais cheio do que antes com os que nele entram, exatamente da mesma forma como descrevi.
Olhei em volta novamente e só então percebi que havia uma bonita moça que também não havia embarcado desde que cheguei ali. Assim como eu, deveria detestar aquele "vale tudo" não declarado. Ao cruzar meu olhar com o dela, os cantos de sua boca se elevaram num discreto sorriso. Retribui o gesto acenando ligeiramente a cabeça. Esta foi a sua deixa:
- Também esperando as coisas se acalmarem um pouco? - disse ela, deixando claro o esforço que fazia para vencer a sua timidez.
- Sim. É impressão minha ou hoje está mais tumultuado do que o normal? - pergunto com um tom de voz tipicamente militar, escondendo assim mais facilmente o meu embaraço.
- É impressão sua, sim. Todos os dias é essa loucura. - diz, ligeiramente corada.
Começo então a reparar melhor nela. É uma mulher loura, com as maçãs do rosto coradas e pele alva. Grandes olhos esverdeados, vivos e brilhantes. Queixo pequeno e delicado, ligeiramente quadrado. Lábios finos emoldurados por um batom rosa pálido. Bonitos traços e um corpo proporcional. Vestia uma calça jeans bege, camiseta branca de mangas longas e um casaco de couro marrom claro. Um par de sapatos baixos que combinava com a cor do casaco completava um visual elegante e discreto. Seus longo cabelos ligeiramente ondulados se estendiam até os quadris. Carregava uma grande bolsa preta de nylon com o logotipo da UFPR. Calculei que na época ela deveria ter uns 19 anos.
Não sei dizer exatamente porque, mas eu não estava me esforçando muito para "engatar" um papo com aquela garota fenomenal que estava ali na minha frente. Até hoje me pergunto se era devido ao cansaço, à ciência da minha insignificância, a ânsia de chegar em casa depois de uma semana de internato ou a profunda impressão que a Tenente Kayla tinha deixado em mim. Olhando para trás, talvez - e eu disse talvez - possa concluir que, na minha vaidade desmedida, eu não quisesse prestar atenção numa só pessoa porque - assim eu pensava - não teria a possibilidade de olhar em volta e ter os olhares das demais pessoas voltados para mim, bem como elas perderiam seu interesse. Atitude típica de curitibano? Admito. Mas foi assim.
Triste? Talvez. Idiota? Diria que sim. Desnecessário? Com certeza! Egoísta e vaidoso? Absolutamente!
Não tenho vergonha de admitir isso, porque estou sendo honesto comigo mesmo e com os meus leitores. Hoje vejo que tudo isto era totalmente equivocado e ilusório. Mas, é como eu já disse antes: A vaidade é o pecado preferido do tinhoso...
Sendo assim, não correspondi de imediato aos seus esforços. Acontece que a moça não desistiu. Voltou a carga, demonstrando ter grande carisma e habilidade de comunicação. Foi aos pouco me envolvendo num papo agradável e edificante - sem flertes ou indiretas - que me fez perder a noção do tempo. Somente uns 30 minutos depois é que notamos que a maré humana tinha refluído. Assim, tomamos a decisão de embarcar no próximo expresso que aparecesse. Depois disso, nossa conversa durou menos de 10 minutos, porque ela desceria no Terminal Oficinas. Antes, ela tira da bolsa um caderno e uma caneta, anota seu nome e telefone e me estende - olhando para o chão - a folha onde os anotara. Maquinalmente, eu a dobro e coloco no  bolso logo abaixo da "biriba". Então me dá uma última olhada com um discreto sorriso e desce.
O resto da viagem não teve nada que fosse digno de menção. Quando desci do alimentador, a luz do dia já tinha ido embora. Mas o meu dia de general ainda não havia terminado. Como num passe de mágica, todos os meus vizinhos me reconheciam de imediato, cumprimentando-me com mais entusiasmo do que o normal. Até mesmo os "boy de vila", os metidos a besta que sempre me esnobavam agora "pagavam pau". Para esses eu nem dei bola.
Ainda longe eu pude avistar meus pais, que deviam estar aproveitando a fresca da noite e conversando com os vizinhos do lado de fora do portão de casa. O primeiro a me ver foi o mano Marcos, que saiu correndo ao meu encontro. Que abraço! Fez me sentir recompensado pela via crucis que suportei aquela semana. Meus pais também me receberam bem. O que foi incomum, dado o jeitão deles. Nem parecia que estava um clima bem pesado lá em casa, por causa do desemprego do meu velho...

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