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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Crônicas de um recruta - Parte 5

Como vão, pessoas! 

Pergunto o que estão achando das experiências do nosso personagem até aqui?
Que rumos esta história vai tomar?
Será que ele passará em todos os testes?

Vejamos.....




5

     Logo em seguida o homem volta, e o ouço ordenar aos demais militares ali presentes que prossigam com os exames. A partir deste detalhe, concluo que todos os que estão ali são de patente inferior a primeiro sargento. Dois cabos enfermeiros - vejo agora - entram onde estávamos. Quando um deles chega em minha frente, diz sem cerimônia:
     - Você, abra a boca.
     Abro-a, e com modos grosseiros, ele olha minha garganta e apalpa as minha amígdalas com uma das mãos, enquanto com a outra segura uma lanterna que usa para vistoriar meus dentes, exatamente como se faria a um cavalo numa feira agropecuária. Satisfeito com a inspeção, se afasta um passo e ordena:
     - Pegue seu pênis com a mão esquerda.
Eu o "acho" com alguma dificuldade, uma vez que o incidente tragicômico que acabou de ocorrer, o constrangimento a que estava submetido e aquele frio horroroso da manhã o deixaram com dimensões apenas um pouquinho maiores do que um dente de alho...
     - Muito bem. Agora leve seu punho direito à boca e assopre com todo o fôlego que tiver, enquanto observo.
"Uai! Mas que troço esquisito!" Não me atrevi a perguntar por quê. Mais tarde soube que esse exame estranho é um jeito rápido e infalível de se descobrir se há uma ou mais hérnias de qualquer natureza na barriga e em outros pontos.
     - Vire de costas.
Bate com um martelinho ou qualquer coisa assim em cada uma das omoplatas e em todas as vértebras, até o "rego". Apalpa meus músculos dorsais, as coxas, as virilhas e as panturrilhas. Levanto os braços, me abaixo até ficar de cócoras. Começo a me sentir como um judeu num campo de concentração, sendo examinado exatamente como eles; por homens fardados com um jaleco branco por cima.
Sou ordenado a ir até o "guidão" e a puxá-lo com toda a força que tiver. Fecho os olhos e o faço. Antes mesmo de abri-los, escuto uma assovio longo, seguido da exclamação de um dos cabos:
     - Cento e cinquenta quilos! - se admira, anotando o resultado na minha ficha.
Confesso que me surpreendi. Concluo comigo mesmo - divertido - que o homem é um ser "hidráulico" e que os músculos só puderam fazer tanta força porque estavam irrigados com o sangue extra que veio de uma parte muito específica da minha anatomia, em consequência do frio...
Após este teste, o "jagunço" ordena, num tom de voz em que consegui detectar uma partícula qualquer de respeito:
     - Vista-se, soldado. E aguarde no corredor imediatemente ao lado da porta desta sala.
"Soldado? Ele falou isso intencionalmente ou sem perceber? Bom, seja como for, é como diz o ditado: 'Pra quem tá no mato qualquer rumo é caminho'."
Visto-me, saio para o corredor e aguardo do lado oposto da porta onde esperam os outros 30 da “minha” fila. Vendo que fui o primeiro a sair, olham-me inquisitivamente, tentando obter qualquer fiapo de informação sobre o que raios tinha acontecido lá dentro. Como sei muito bem que o peixe morre pela boca, limitei-me a responder em voz baixa:
     - Nem queiram saber.
Enquanto estava ali, de um estalo liguei os pontos. Saquei porque o “jagunço” estava com aquela cara de terrorista, bem mais amarrada do que os outros “milicos” no auditório logo cedo. Não fazendo parte do corpo médico, com certeza não era voluntário para aquela desagradável tarefa de pajear conscritos, muito menos ser obrigado a ver pelo menos trezentos sujeitos pelados por dia durante praticamente a manhã toda, cinco dias por semana, quatro meses por ano(Fazendo-se as contas dá uns 24.000 “neguinhos” em variadas condições de higiene, metidos apenas nos trajes de Adão. Haja estômago!). A partir desta perspectiva, realmente tenho de dar razão pro “baiano”. Só tinha uma coisa que não encaixava; Ele era mesmo obrigado a nos monitorar atrás do biombo? Qual a necessidade? Não poderia ficar na mesma sala, mas fora daquela área? Supus que era para prevenir situações como aquela bizarra ocorrida há pouco. De qualquer modo, pra isso eu nunca consegui achar uma resposta plausível.
     Em questão de minutos, os outros nove que estavam comigo lá dentro saem, conduzidos diretamente para fora da enfermaria. Antes de levá-los, o sargento Barreto para por um momento e ordena que os próximos dez entrem, ao mesmo tempo em que me diz para acompanhá-lo. Pelo jeito só eu estava dentro dos padrões médicos exigidos pelo Exército. Quanto estávamos fora do prédio, ele me orienta a seguir direto para o próximo Posto de Testes onde estavam aguardando o suboficial Macaris e o capitão Kapp, dando-me instruções específicas de como chegar lá. Na afobação para sair logo dali, não prestei muita atenção a tudo o que ele dissera. Depois de dobrar à esquerda, depois à direita e à esquerda outra vez, já estava perdido. Tentei me orientar de novo pelas placas indicativas de uma das “esquinas” e num dos prédios mas, com as instruções esquecidas, era como usar uma bússola sem mapa. Pensei em voltar por onde vim e pedir para o “jagunço” repetir as instruções, mas disse pra mim mesmo que a “mijada” ia ser líquida e certa. E depois do que eu vi na enfermaria, concluí que qualquer coisa seria melhor do que ter de me haver com o sargentão.
    Olhando em volta, resolvi entrar na primeira porta que vi em busca de qualquer informação que me ajudasse a chegar no meu destino o mais rápido possível. Fui parar nas instalações que eram o refeitório dos praças. Ao entrar, me deparei com uma estrutura de botequim-de-beira-de-estrada. Um único soldado em mangas de camisa estava limpando o chão com um esfregão. O serviço devia ser pesado, para já sentir calor naquela hora da manhã. "Estou salvo!", pensei.
     - Bom dia. Por favor, preciso de uma informação.
Ele não me dá a mínina. Propositalmente, começou a fazer movimentos mais amplos e lentos com o "mop". Durante um longo minuto, permanece nisso até que por fim levanta a "cabeleira" e a coloca dentro de um balde. Olha para mim com a melhor cara de deboche que consegue fazer e cruza os braços em uma atitude hostil:
     - O que você quer?
     - Preciso de uma informação - repito - Sabe onde fica a pista de atletismo?
Ele olha para os dois lados, como se procurasse quem soubesse a resposta. Mede-me de cima a baixo, e finalmente diz:
     - Está vendo aquele prédio lá onde está escrito infantaria no telhado? - aponta para atrás de mim e um pouco à direita, na direção de um prédio mais distante, em direção aos fundos do quartel.
     - Sim, estou. - respondo.
     - Siga naquela direção até chegar no primeiro barracão à direita, que é a oficina. Ali, vire à esquerda e siga por um rua ladeada por árvores até o final. Depois vire à direita e continue na rua de saibro ladeada pelo muro à esquerda até encontrar um pequeno bosque. Atravesse-o. É depois deste arvoredo está a pista de corrida. - disse ele, com uma expressão que eu acho que já tinha visto antes. Mas, naquele momento eu não saquei nada, agitado como estava.
     - Muito obrigado! - respondo e saio apressado na direção indicada.

     Faço todo este percurso e quando chego nas árvores, encontro apenas uma picada estreita que parecia não ser muito usada. Achei esquisito, mas segui em frente. Apressado como estava, fui caminhando sem olhar muito por onde andava. Quando dei por mim estava no chão - estendido em todo o meu comprimento - com lama até na boca.



Continua...

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