Olá, amigos deste blog!
Mais uma parte desta aventura. Nesta, nosso amigo vai para a sua primeira aula de defesa pessoal, entre outras coisas...
Vamos ler?
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Retorno
para o auditório onde estava sendo ministrada a instrução teórica
de armamento. Por alguma razão desta vez não era o cabo Maciel o
instrutor mas sim um sargento chamado Franco. Jovem, com cara de
recém formado na EsSA. Sotaque mineiro típico, com seu jeito todo
peculiar de falar. Ainda desta vez não foi prática porque, sabe
como é; imagina soltar nas mãos de um bando de “cabaços” igual
a nós armas com aquele poder de fogo. Nisso estavam certos. No
passado já aconteceram grandes problemas, segundo fiquei sabendo
depois. Inclusive pelo menos um caso em que um recruta atirou sem
querer no próprio rosto ao limpar o fuzil. Se considerarmos que um
projétil de 7.62 transforma em geleia tudo o que está numa
amplitude de 50 vezes o seu diâmetro, dá para vocês imaginarem o
que sobrou da cabeça do infeliz.
Seja
como for, não consegui me concentrar. Aquela manhã foi tão
inusitada, tão agridoce que minha mente está até agora sob o
efeito das adrenalinas. Tanto da “boa” como da “ruim”. Os
pensamentos se dividem entre o medo das consequências daquele
incidente infeliz e a agradabilíssima hora e meia que passei com a
morena. Assim, não retive nada de informação da sessão, por mais
que o assunto me interessasse. Quem nunca sonhou em bancar o Rambo
pelo menos uma vez na vida? Bom mesmo será quando as aulas forem
práticas.
O
resto daquela manhã escoou depressa. Novamente estou com meus amigos
no rancho. Conto tudo o que me aconteceu. Suas reações vão da
inveja(boa), pelo fato daquela deusa - eles também babam por ela,
anote-se - prestar atenção em mim até o ódio incontido por aquele
lixo designado como “porteiro” do pavilhão da CCS. Também se
divertem com a minha estupidez. Relevo o que dizem por dois motivos.
Primeiro, são meus amigos. Lógico. Segundo; Estão cobertos de
razão. Quem tem as palavras e argumentos mais cortantes é o
Vinícius, em sua sinceridade que soa como ofensa para quem não
conhece a cultura eslava. Admito que fiquei um tanto irritado. Mas
prefiro a sinceridade deles às palavras macias de um traiçoeiro.
À
tarde fomos conduzidos para o vestiário e na sequência para a área
de esportes no interior da pista de atletismo. Teríamos a primeira
instrução de luta corporal e técnicas de defesa pessoal. Já
estavam estendido no chão uma série de tatames velhos e puídos. Um
oficial nos esperava. O instrutor era um negro gigantesco. Dois
metros de altura. Um Schwartznegger de ébano:
-
Boa tarde a todos! Sou o primeiro tenente Santos, comandante do 2°
pelotão da 3ª Companhia de Fuzileiros. - se apresenta, numa voz
bastante parecida com a do Terry Crews.
-
Hoje irei iniciá-los na arte de combate corpo a corpo e técnicas de
defesa pessoal. Antes de começar, gostaria de saber se algum dos
senhores possui qualquer tipo de noção sobre o tema.
Silêncio
momentâneo. Por fim, um dos nossos levanta a mão. Era o Linhares. O
tenente pergunta:
-
Seu nome recruta?
-
Linhares, senhor! - responde o piruão.
-
À frente, Linhares! - chama o instrutor.
Obedecendo
ao comando, ele se levanta - pois estávamos sentados no chão com as
pernas cruzadas - e vai até onde foi chamado.
-
Praticou artes marciais alguma vez?
-
Sim, senhor. Ainda pratico.
-
Qual delas?
-
Sou faixa amarela em judô.
-
Ótimo. Dê-nos uma breve demonstração dos seus conhecimentos. -
replica o tenente, dando dois passos atrás.
O
“reco” põe-se em posição de “migi shizentai”, que é o
nome da posição com o pé direito à frente. Em seguida, começa
uma série de movimentos defensivos. Depois dá outra, só que desta
vez de ataque. Chutes e socos diversos distribuídos ao vento.
Imediatamente me vem à mente as tardes de minha pré adolescência,
quando eu jogava no fliperama um jogo chamado Street Figther II com
alguns vales-transporte extras que ganhava com meus bicos...
O
Linhares acaba seu show e faz para o Santos a típica saudação do
judô. Nós ficamos realmente impressionados com o que ele mostrou
que sabia. Achava que ia dar vexame, mas me enganei. O tenente fala:
-
Boa demonstração. Boa técnica, Linhares...
O
cara estufa o peito. Mas dura pouco a sua glória porque, rápido
como um raio, o instrutor o ataca. Em questão de segundos recebe uma
série de golpes e antes que se dê conta do que está acontecendo,
já está beijando o tatame e gemendo como um bebê.
-...mas
não o suficiente para um combatente da infantaria! - completa.
E
continua:
-
Lição número um: Nunca confie demais em suas habilidades. Nunca
conclua que já sabe o bastante! Esteja sempre alerta, o inimigo é
imprevisível!
Ao
dizer isso, estende a mão para a ruína humana em que se transformou
o Linhares. E o levanta, arrematando:
-
Volte para o seu lugar.
Ele
obedece, com o ego muito mais dolorido que seu corpo. Em seguida,
nova pergunta:
-
Alguém mais?
Desta
vez, ninguém - mesmo que soubesse - ousaria se apresentar.
Apesar
das dores musculares que a galera estava sentindo, todos estavam
participando com entusiasmo do exercício. Ser pago para aprender
pelo menos o básico de artes marciais é muito melhor do que ter de
pagar. Além do mais, dá autoconfiança e pra se gabar também...
A
quarta-feira finalmente termina. Pouco antes da instrução acabar,
chega-se a nós o sargento de dia e, com a devida permissão do
tenente Santos, nos comunica:
-
Atenção recrutas para a programação desta quinta-feira, 24 de
março de 1997! Manhã, das 0800 horas às 1200 horas: Ordem Unida.
Tarde, das 1330 horas até as 1700 horas: Treinamento Prático
Profissional na especialidade Limpeza e Conservação...
“Horas,
horas, horas! Vira o disco! Vai ficar repetindo isso o tempo todo?
Que saco!”
Um
discreto muxoxo percorre o ar. O “arauto” faz de conta que não
escuta - talvez porque não está no comando da ralé ou por estar
diante de um oficial - e prossegue:
-...Noite:
Noções de Primeiros Socorros, das 1900 horas às 2200 horas.
Excepcionalmente hoje não haverá instrução noturna, a fim de que
os senhores possam proceder com a higienização do seu fardamento e
demais cuidados para a inspeção de amanhã. Isso é tudo. Senhor! -
diz, olhando para o oficial:
-
Obrigado, Pereira. - e, dirigindo-se a nós:
-
Alguma dúvida?
-
Não, senhor!
-
Ótimo. Dispensados!
São
cinco da tarde em ponto. Descida da bandeira, depois chuveiro. No
nosso pavilhão, há uma espécie de lavanderia coletiva anexa ao
vestiário. Mas nada de máquinas de lavar. Só tanques mesmo, uma
porção deles. Lá nos acotovelamos para lavar nosso fardamento da
melhor maneira possível. Corro para ser um dos primeiros por que
senão terei de ficar esperando um tempão, já que não há um
número suficiente para que todos possam usá-los simultaneamente.
Também, quero deixar meus “panos” secando e correr para o rancho
jantar. E de mais a mais, não estou nem um pouco a fim de ficar até
tarde da noite com as mãos na água, dado o frio miserável que já
está fazendo nesta época. Não há varais suficientes. Assim, os
que chegarem primeiro estendem seus uniformes. Os demais são
obrigados a torcê-los ao máximo possível e pendurá-los nas portas
de seus armários em cabides. Tétrico. E o pior; ai do sujeito que
deixar o piso do vestiário molhado. O rondante que pegar chão
lambuzado vai encher o saco do sujeito, para dizer o mínimo.
A
desgraça é que ainda estamos sem uniforme de inverno e apenas com o
par de coturnos e as duas mudas de fardamento originais recebidos no
primeiro dia efetivo. Isto é muito pouco para quem está – como
nós – em regime de internato, dado o esforço físico que fazemos,
os exercícios altamente “sujantes” a que somos submetidos e o
tempo exíguo de que dispomos para a higienização deles. E tem
mais: não temos como passá-los e, o “caboclo” que estiver com a
farda amassada na parada diária pode ser punido com uma sentença
que poderia variar de esporro - no mínimo - até um ou dois dias no
xilindró. Assim, a galera improvisava nas emergências. Eu mesmo
aprendi com um “antigo” camarada como matar dois coelhos com uma
cajadada só; secar e passar. O procedimento é muito simples; arrume
algumas caixas de papelão, estenda-as por cima do estrado e coloque
o uniforme cuidadosamente estendido. Depois é só colocar o colchão
por cima e dormir o sono dos condenados. Tcharán!!! No dia seguinte,
é só levantar e se vestir com o uniforme seco, quentinho e - o que
é melhor - passado como se fosse a ferro.
Mais
tarde vim a saber que o regulamento previa que se fosse fornecido aos
recrutas - já na primeira prova de uniforme - quatro conjuntos de
fardamento de combate de verão, dois conjuntos de uniforme de
inverno, três pares de coturnos e dois conjuntos de farda de passeio
completo após o treinamento básico. Além disso, dois conjuntos
para a prática de TFM em malha, dois “pega-louco”(uma espécie
de meia calça masculina de lã) e dez pares de meias, sendo cinco
para o verão e cinco para o inverno. Por aí se vê em que situação
estávamos. A desculpa de sempre era a “baixa dotação
orçamentária das Forças Armadas” mas, acontece que acabei vendo
por acaso algumas coisas que não podem ser desvistas... Melhor
deixar pra lá.
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