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sábado, 9 de julho de 2016

Crônicas de um recruta - Parte 37

     Bom dia, boa tarde, boa noite, amigos navegantes(parodiando o Paulo Henrique Amorim)! 
    
     Hoje, mais um capítulo desta saga divertida, complexa e que nos dá o que pensar... Nosso amigo vai a uma entrevista com uma oficial... O que acontece? Quais os resultados?

     Vamos ler?


37

Ainda estamos olhando-nos. Seu semblante muda e por fim ela retoma o diálogo:
- Desculpe-me. Não tive a intenção de feri-lo. - diz, como se estivesse tentando conter-se.

"Perfeito, seu cretino! Conseguiu irritar quem estava disposto a lhe estender a mão!"

     - Perdão, senh... Kayla! Por favor me perdoe! Este dia está sendo um pesadelo. Estou muito indisposto. E com esta granada prestes a explodir na minha mão! Por favor, não tive a intenção de lhe afrontar. Ainda mais afrontar uma superiora! - falo, deixando transparecer na voz toda a minha angústia.
Apenas evitei cuidadosamente usar um tom suplicante. Novamente, eu queria uma oportunidade de cair fora daquela confusão, não caridade.
     - Não se preocupe. Tudo bem. - e levanta-se emendando - Dê-me licença por um momento.
Dizendo isso, sai da sala apressada. Pensei com os meus botões que agora eu estava mesmo fodido. Aquele "antigo" desgraçado conseguiu me ferrar. E eu consigo detonar com o que sobrou... Fico lá, tremendo por dentro, remoendo minhas palavras tentando identificar em que momento exatamente eu a tinha ofendido. Repasso vez após vez o diálogo, tentando desesperadamente encontrar alguma falha. Nada, nadinha de nada. Só mostrei uma atitude um pouquinho beligerante. Mas em nenhum momento fui desrespeitoso!
Aquela batalha não dura muito porque ela volta em pouco tempo. Senta-se novamente em minha frente e retoma a conversa:
     - Vejo que está perturbado. Não se preocupe. Não me ofendi e não o achei desrespeitoso com o posto e muito menos com a minha pessoa. Acalme-se. Vamos, acalme-se!  - diz em um tom de voz balsâmico, ao ver o estado em que me encontrava.
Era como se tivesse encostado uma bolsa de gelo numa queimadura. Como tal, o efeito foi imediato, baixando o nível de adrenalina até o limite do suportável. Abaixo a guarda. Ela percebe. E prossegue:
      - Procure esquecer este lamentável incidente. Vamos nos concentrar a partir de agora no motivo de estar aqui, Flávio. Repito, não se preocupe. Isto vai ser resolvido. Podemos começar?
      - Certo, farei o possível. Podemos começar, sim. - respondo, não fazendo a mínima ideia de como seria este primeiro contato.
     O que começou como conversa formal e superficial foi aos poucos se transformando em um diálogo significativo, construtivo e esclarecedor para mim. Com habilidade e tato a Kayla foi me envolvendo, vencendo as resistências e barreiras para uma - será que uso este termo? - análise produtiva. Aos poucos fui ficando à vontade para falar sobre mim, minha personalidade, meus objetivos e visão de mundo. Notei que ela procurou estabelecer um certo distanciamento profissional. Mas neste quesito, tenho certeza que não teve sucesso porque, quando eu falava com paixão e reverência sobre meus valores, sonhos e alvos, notava uma indiscutível expressão de identificação, respeito, encantamento e - por que não dizer? - reverência. Pretensão da minha parte afirmar isso? Desta vez não, camaradas! Aprendi a identificar clara e inequivocamente a sua linguagem corporal. Eu VI e SENTI isso. Absolutamente não estava sonhando. Ela simplesmente não conseguia disfarçar, apesar da sua formação.
Diz o ditado que tudo o que é bom dura pouco. Pois é, o tempo se esvaiu instantaneamente:
- Flávio, encerramos aqui, por hora. Não apenas pelo fato de que não posso tomar mais seu tempo sob pena de prejudicar seu progresso durante o período de Instrução Básica, mas também porque preciso orientá-lo em sua defesa.
- Ok, Kayla. Desde já, gostaria de agradecê-la imensamente por julgar-me digno da sua atenção e ajuda. Muito obrigado!
- Não me agradeça. Eu já lhe disse isso e vou repetir. Você fez por merecer. E agora, vamos para o BO. - diz, com aquele seu tom de voz que me hipnotiza.

"Ô diacho! Por que tudo o que é bom nessa vida dura tão pouco?"

Em questão de minutos, preencho o Boletim de Ocorrência na seção destinada à defesa do militar acusado. A Kayla diz:
- Vejo que escrever é outro de seus talentos. Muito bom! - ao reler o documento depois de preenchido.
Fico ligeiramente ruborizado ao lhe dizer:
- Obrigado! A leitura constante dá uma mãozinha nessas horas...
Ela nada replica. Apenas olha-me daquele seu jeito inconfundível. Estávamos  sentados frente à frente na escrivaninha da sala. Tive ganas de avançar todos os sinais e beijá-la ali mesmo. Contive-me, a um grande custo. Tenho certeza que se o fizesse sairia dali algemado.
Mais uma vez ela sorri discretamente, encerrando a "reunião":
- Muito bem, Flávio. Próxima quarta-feira, neste mesmo horário. Assim que sair, pedirei ao ajudante de ordens que leve este ao capitão. Acrescento mais uma vez que não precisa se preocupar. Farei tudo ao meu alcance para que isto seja esclarecido. Sua folha de serviço não ficará suja por conta deste mal entendido, tenho certeza. O comandante é um homem razoável.
Ela se levanta, seguida por mim. E continua:
- Oportunamente você será informado do resultado deste procedimento. Eventualmente poderá também ser chamado para prestar maiores esclarecimentos, caso necessário. Isso é tudo.
Lhe presto continência, a adoração transbordando dos meus olhos. Quando estou estendendo o braço para abrir a porta, ela me diz:
      - Mais uma coisa!
      - Senhora? - viro-me num instante, sem poder evitar a formalidade.
- Vê se não erra a porta da próxima vez, ok? - provoca, com uma deliciosa expressão de sarcasmo no rosto.
Fecho a cara instintivamente apenas por alguns segundos. Não consigo resistir àquele sorriso. Acabo por menear a cabeça, sorrindo junto com ela. Em seguida, fico rígido como uma barra de ferro e lhe presto continência outra vez, respondendo:
- Sim, senhora!
Ao abrir a porta dou de cara com o "jagunço" no corredor, por certo aguardando a minha saída. Cara de poucos amigos, como sempre.

"Business as usual."

      Ao me ver, faz a melhor cara de terrorista que encontra no seu vasto arsenal e murmura entredentes:
- Nos vemos mais tarde, verme.
Nada respondo. Nem sequer olho diretamente porque, francamente, não vale a pena. E de mais a mais, nada pode estragar meu humor hoje. Sigo caminho enquanto o brutamontes vai se haver com a oficial... Por mim que se phoda!
      Dirigindo-me à instrução programada para aquela manhã, mergulho outra vez em meu interior. Não vou descrever em detalhes o que estava sentindo naquele momento, vendo o mundo com as lentes cor de rosa adquiridas com a tenente Kayla(isto já está mais do que óbvio.). Até porque este não é um romancezinho água-com-açúcar-vagabundo-para-adolescentes-pueris(sem ofensas, meninas!).
Jamais sequer conjecturei que teria tanta sorte assim. Inacreditável. Sorte dentro do azar, eu diria. Bom, seja como for, tenho de aguardar o desenrolar disso tudo. Acho que me safo dessa. Espero.
Perdido nos meus pensamentos, passo direto pelo "antigo" filho da puta que me fez entrar nesse rolo. Nem me ocorreu de jurá-lo, ameaçá-lo ou algo do gênero. Não valia a pena. Pelo menos não por enquanto. Deixa quieto. Como dizia um sábio rei antigo:

"Há tempo para todo propósito debaixo do sol." 

Nada mais correto. Tudo nessa vida converge para o acerto de contas e apresentação de resultados. Pra quê apressar as coisas?

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