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quinta-feira, 18 de junho de 2015

Crônicas de um recruta - parte 21

Olá, pessoal!

     O primeiro dia de aventuras no quartel finalmente está acabando para o nosso amigo Flávio e seus companheiros.
     Mas, é como diz o "velho deitado"; "tudo acaba só quando termina." 

"Mas o que ainda pode ter acontecido?"

     Pois é pessoas, é isto que vocês lerão agora!

Apreciem;


21

     Não se passaram nem dez minutos quando fomos outra vez ordenados a ficar perfilados perante o instrutor para a inspeção das bandejas. Com a galera já toda esperta, nenhum incidente "foi registrado". Colocamo-nas na janelinha da cozinha e outra vez fomos ordenados a ficar alinhados no lado de fora do refeitório. Lá fora, a má nova nos é dada:
     - Atenção, recrutas! Teremos agora a terceira sessão de instrução do dia, que durará até as 2200 horas. Prestem muita atenção, porque esta é a principal, visto que irão utilizá-la amanhã logo após o toque da alvorada! Entendido?
     - Sim, senhor! - respondemos, sem crer na nossa sorte. Esta resposta veio entremeada de pequenas imprecações.
     - Por um acaso estou ouvindo reclamações? - grita o jagunço.

"Uau! Será possível que o grude lhe destapou as orelhas? Que santo remédio!"

     - Não, senhor! - ouve-se, numa exalação de frustração.
Ninguém ousa reclamar, porque já sabíamos qual seria o retorno de qualquer tipo de "ponderação" que o sargento ouvisse.
     O sol já começava a se pôr no horizonte. A temperatura tinha diminuído sensivelmente, para o alívio geral. O nosso expediente porém, estava muito longe de acabar. Obedecendo ao comando, lá vamos nós outra vez para a sala de instrução em que estivemos parte considerável do dia. Lá nos esperava o cabo Maciel, que nos fora apresentado pelo capitão Sampaio naquela manhã. O sargento Barreto nos "entrega" ao cabo e se retira, não sem antes dizer:
     - Amanhã é outro dia, cambada de pombo!

"Cambada de pombo?"

     O significado disso fica pra mais tarde. Me concentro no cabo. Era relativamente jovem, mestiço de negro com italiano. Vim a saber depois que sua mãe era neta de italianos e seu pai angolano. Tinha uma expressão neutra, mas que dava a impressão de um sujeito sério e compenetrado. Aliás, ele deveria ter muitos méritos, porque instrução ministrada por um cabo numa unidade de infantaria era algo incomum. A matéria que ele nos ensinou naquela noite(ou pelo menos tentou ensinar) era sobre a sua especialidade. Para nossa sorte, foi apenas uma introdução. Afinal, era assunto complexo e necessitaria de muita prática aliada à teoria para que pudéssemos apenas começar a entender. Até hoje eu não me lembro de quantas peças são feitas o fuzil padrão FAL, e este era apenas uma das "matérias" que o "cafuso" estava tentando enfiar em nossas cabeças exaustas.
    Os minutos escoavam lentamente. O tédio imperava sem freios. O que tornava tudo ainda pior era a didática horrível do sujeito. Uma verborréia insípida servida com voz esganiçada somada a pigarros constantes em um linguajar rebuscado pejado de abreviaturas ininteligíveis com cobertura de linha de raciocínio errática. Um perfeito professor Pasquale. Eu tinha dito antes que o sujeito deveria ter seus méritos. Quando abriu a boca, percebi que estava redondamente enganado. Mais tarde vim a saber que ele pertencia ao corpo de armeiros do batalhão entre cujos integrantes haviam três cabos, e que era "peixe" do oficial responsável pelo paiol do "20". Peixe. Segundo a terminologia militar, é o bicho do qual se diz; "corte a cabeça e coma o rabo". Traduzindo a ideia para os falantes de português, o peixe é o sujeito puxa saco, dedo duro e lambe botas protegido de um superior, seja ele graduado ou oficial que o livra das cagadas que faz e lhe dá privilégios vedados aos outros, em troca de lealdade absoluta e talvez outros favores, sejam lá quais forem...
     Novamente a minha mente começa a vagabundear. Mas ela não vai muito longe, porque o esforço que tenho de fazer para simplesmente manter-me acordado toma quase todo o fiapo de energia que me resta, não sobrando absolutamente nenhum combustível para o vôo, obrigando-a assim a uma aterrisagem forçada. Só não dormi de vez por causa do nosso "cheirinho", que me despertava assim como o amoníaco reaviva alguém que apagou.
    Agoniantes três horas se passam até que o relógio do auditório se digne a apontar as dez horas da noite. Antes de encerrar a sessão, o cabo nos diz:
     - Para encerrar, recrutas, lhes informo que deverão estar em forma precisamente às 0700 horas para a cerimônia de incorporação na Avenida Marochi, na lateral esquerda deste batalhão. Vistam a segunda muda de fardamento que lhes foi entregue e estejam apresentáveis, ou serão punidos a rigor, entendido?
Respondemos com a voz engrolada de sono. Estávamos na última lona. O "peixe" continua:
      - Formem no pátio lá fora para que eu os conduza para o seu alojamento. Acelerado!
     Nem precisava mandar. Foi a formação mais rápida que vi o dia todo. Em dez minutos, estávamos em nosso alojamento. Mas a pajeação ainda não tinha acabado. O cabo nos ordena - isso mesmo, ordena - a ir para o chuveiro. Mais uma vez nos olhamos com espanto. Quer dizer que teremos também um instrutor de higiene para nos ensinar a lavar as "coisinhas"? Como demoramos alguns segundos a mais para processar a ordem, o cabo perde as poucas gramas de paciência que tinha e começa a berrar como um possesso, repedindo o imperativo como um disco de vinil riscado. Assim seguimos para os chuveiros pegados ao vestiário, tocados como ovelhas por um cão pastor raivoso. Despimos a farda suada e só com a roupa de baixo e meias seguimos para os chuveiros. Fico horrorizado com o que vejo. Não há chuveiros individuais, nem portas, nem paredes. Apenas dois grandes degraus em relação ao piso com vários chuveiros dispostos lado a lado, cada um com seu suporte para sabonetes e - um luxo- xampu. Os únicos recintos fechados eram onde estavam localizadas as privadas(pelo menos!). Para quem já havia ficado mortificado com o que tinha passado nos exames médicos, aquilo era o fim. Vou ter de ficar peladão no meio de um monte de marmanjos no mínimo uma vez por dia? Mas que inferno! 
     A vociferação continua:
     - Lavem suas meias e cuecas embaixo do chuveiro e nada de banho sinuca! Quem estiver com um mínimo "chubasa" que seja na revista amanhã cedo vai direto pro xilindró! Entenderam, vermes?
Aí eu não aguento e levanto a mão. O negri a vê e me dá a palavra:
     - Tenho três perguntas, cabo. Primeira; o que o sargento jag...

"Essa foi por pouco!"

...Barreto quis dizer quando nos chamou de cambada de pombo? Segundo; o que significa banho sinuca? Terceiro; o que é chubasa?
     - Pra começo de conversa, você tem de me chamar de senhor, seu monstro! Eu nem deveria te responder, mas como é cabaço, vou te dar uma colher de chá. Primeiro; Recruta é bando de pombo porque estão sempre em bando, sempre voando e sempre cagando. Segundo; banho sinuca é aquele em que vermes como vocês só lavam o buraco, taco e bola. Terceiro, chubasa é a soma de chulé, bafo e fedor de asa! E quarto; por eu ter te passado este bizú, paga dez pra mim, militar! Assim quem sabe aprende a não ser piruão!
     - Mas, cab... senhor! - protesto.
   - Nada de mas! Vai logo! Empurra o japonês aí sem chiar! Vai ser até bom para esquentar o sangue antes da ducha... - resume ele, irônico.
     - Mas, mas...
     - NADA DE MAS, EU DISSE! VAI DE UMA VEZ, DEMÔNIO!
    Contrariado e a muito custo, me coloco na horizontal e começo com o castigo ali mesmo, no meio daquele bando de "cuecas" fedidos. Amaldiçôo a mim mesmo por ter feito aquela escolha maluca de servir, o que significava me submeter a isso e muito mais.
Acontece que agora não tinha mais volta. Já era. Tinha de aguentar firme. É como dizem os japoneses; "Xoganai". Ou, "o que não tem remédio, remediado está".



Por hoje é isso, amigos!

Se gostaram, por favor divulguem. Isso me ajuda muito!

Críticas e sugestões sempre serão bem vindas. Se quiserem, deixem-nas nos comentários, está certo?

Grande abraço! 

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