Olá, pessoal!
O primeiro dia de aventuras no quartel finalmente está acabando para o nosso amigo Flávio e seus companheiros.
Mas, é como diz o "velho deitado"; "tudo acaba só quando termina."
"Mas o que ainda pode ter acontecido?"
Pois é pessoas, é isto que vocês lerão agora!
Apreciem;
21
Não
se passaram nem dez minutos quando fomos outra vez ordenados a ficar
perfilados perante o instrutor para a inspeção das bandejas. Com a
galera já toda esperta, nenhum incidente "foi registrado".
Colocamo-nas na janelinha da cozinha e outra vez fomos ordenados a
ficar alinhados no lado de fora do refeitório. Lá fora, a má nova
nos é dada:
-
Atenção, recrutas! Teremos agora a terceira sessão de instrução
do dia, que durará até as 2200 horas. Prestem muita atenção,
porque esta é a principal, visto que irão utilizá-la amanhã logo
após o toque da alvorada! Entendido?
-
Sim, senhor! - respondemos, sem crer na nossa sorte. Esta resposta
veio entremeada de pequenas imprecações.
-
Por um acaso estou ouvindo reclamações? - grita o jagunço.
"Uau!
Será possível que o grude lhe destapou as orelhas? Que santo
remédio!"
-
Não, senhor! - ouve-se, numa exalação de frustração.
Ninguém
ousa reclamar, porque já sabíamos qual seria o retorno de qualquer
tipo de "ponderação" que o sargento ouvisse.
O
sol já começava a se pôr no horizonte. A temperatura tinha
diminuído sensivelmente, para o alívio geral. O nosso expediente
porém, estava muito longe de acabar. Obedecendo ao comando, lá
vamos nós outra vez para a sala de instrução em que estivemos
parte considerável do dia. Lá nos esperava o cabo Maciel, que nos
fora apresentado pelo capitão Sampaio naquela manhã. O sargento
Barreto nos "entrega" ao cabo e se retira, não sem antes
dizer:
-
Amanhã é outro dia, cambada de pombo!
"Cambada
de pombo?"
O
significado disso fica pra mais tarde. Me concentro no cabo. Era
relativamente jovem, mestiço de negro com italiano. Vim a saber depois que sua mãe era neta de italianos e seu pai angolano. Tinha
uma expressão neutra, mas que dava a impressão de um sujeito sério
e compenetrado. Aliás, ele deveria ter muitos méritos, porque
instrução ministrada por um cabo numa unidade de infantaria era
algo incomum. A matéria que ele nos ensinou naquela noite(ou pelo
menos tentou ensinar) era sobre a sua especialidade. Para nossa
sorte, foi apenas uma introdução. Afinal, era assunto complexo e
necessitaria de muita prática aliada à teoria para que pudéssemos
apenas começar a entender. Até hoje eu não me lembro de quantas
peças são feitas o fuzil padrão FAL, e este era apenas uma das
"matérias" que o "cafuso" estava tentando enfiar
em nossas cabeças exaustas.
Os
minutos escoavam lentamente. O tédio imperava sem freios. O que
tornava tudo ainda pior era a didática horrível do sujeito. Uma
verborréia insípida servida com voz esganiçada somada a pigarros
constantes em um linguajar rebuscado pejado de abreviaturas
ininteligíveis com cobertura de linha de raciocínio errática. Um
perfeito professor Pasquale. Eu tinha dito antes que o sujeito
deveria ter seus méritos. Quando abriu a boca, percebi que estava
redondamente enganado. Mais tarde vim a saber que ele pertencia ao
corpo de armeiros do batalhão entre cujos integrantes haviam três
cabos, e que era "peixe" do oficial responsável pelo paiol
do "20". Peixe. Segundo a terminologia militar, é o bicho
do qual se diz; "corte a cabeça e coma o rabo". Traduzindo
a ideia para os falantes de português, o peixe é o sujeito puxa
saco, dedo duro e lambe botas protegido de um superior, seja ele
graduado ou oficial que o livra das cagadas que faz e lhe dá
privilégios vedados aos outros, em troca de lealdade absoluta e
talvez outros favores, sejam lá quais forem...
Novamente
a minha mente começa a vagabundear. Mas ela não vai muito longe,
porque o esforço que tenho de fazer para simplesmente manter-me
acordado toma quase todo o fiapo de energia que me resta, não
sobrando absolutamente nenhum combustível para o vôo, obrigando-a
assim a uma aterrisagem forçada. Só não dormi de vez por causa do
nosso "cheirinho", que me despertava assim como o amoníaco
reaviva alguém que apagou.
Agoniantes
três horas se passam até que o relógio do auditório se digne a
apontar as dez horas da noite. Antes de encerrar a sessão, o cabo
nos diz:
-
Para encerrar, recrutas, lhes informo que deverão estar em forma
precisamente às 0700 horas para a cerimônia de incorporação na
Avenida Marochi, na lateral esquerda deste batalhão. Vistam a
segunda muda de fardamento que lhes foi entregue e estejam
apresentáveis, ou serão punidos a rigor, entendido?
Respondemos
com a voz engrolada de sono. Estávamos na última lona. O "peixe"
continua:
-
Formem no pátio lá fora para que eu os conduza para o seu
alojamento. Acelerado!
Nem
precisava mandar. Foi a formação mais rápida que vi o dia todo. Em
dez minutos, estávamos em nosso alojamento. Mas a pajeação ainda
não tinha acabado. O cabo nos ordena - isso mesmo, ordena - a ir
para o chuveiro. Mais uma vez nos olhamos com espanto. Quer dizer que
teremos também um instrutor de higiene para nos ensinar a lavar as
"coisinhas"? Como demoramos alguns segundos a mais para
processar a ordem, o cabo perde as poucas gramas de paciência que
tinha e começa a berrar como um possesso, repedindo o imperativo
como um disco de vinil riscado. Assim seguimos para os chuveiros
pegados ao vestiário, tocados como ovelhas por um cão pastor
raivoso. Despimos a farda suada e só com a roupa de baixo e meias
seguimos para os chuveiros. Fico horrorizado com o que vejo. Não há
chuveiros individuais, nem portas, nem paredes. Apenas dois grandes
degraus em relação ao piso com vários chuveiros dispostos lado a
lado, cada um com seu suporte para sabonetes e - um luxo- xampu. Os
únicos recintos fechados eram onde estavam localizadas as
privadas(pelo menos!). Para quem já havia ficado mortificado com o
que tinha passado nos exames médicos, aquilo era o fim. Vou ter de
ficar peladão no meio de um monte de marmanjos no mínimo uma vez
por dia? Mas que inferno!
A vociferação continua:
-
Lavem suas meias e cuecas embaixo do chuveiro e nada de banho sinuca!
Quem estiver com um mínimo "chubasa" que seja na revista
amanhã cedo vai direto pro xilindró! Entenderam, vermes?
Aí
eu não aguento e levanto a mão. O negri a vê e me dá a
palavra:
-
Tenho três perguntas, cabo. Primeira; o que o sargento jag...
"Essa
foi por pouco!"
...Barreto
quis dizer quando nos chamou de cambada de pombo? Segundo; o que
significa banho sinuca? Terceiro; o que é chubasa?
-
Pra começo de conversa, você tem de me chamar de senhor, seu
monstro! Eu nem deveria te responder, mas como é cabaço, vou te dar
uma colher de chá. Primeiro; Recruta é bando de pombo porque
estão sempre em bando, sempre voando e sempre cagando. Segundo;
banho sinuca é aquele em que vermes como vocês só lavam o
buraco, taco e bola. Terceiro, chubasa é a soma de chulé,
bafo e fedor de asa! E quarto; por eu ter te passado este bizú, paga
dez pra mim, militar! Assim quem sabe aprende a não ser piruão!
-
Mas, cab... senhor! - protesto.
-
Nada de mas! Vai logo! Empurra o japonês aí sem chiar! Vai ser até
bom para esquentar o sangue antes da ducha... - resume ele, irônico.
-
Mas, mas...
-
NADA DE MAS, EU DISSE! VAI DE UMA VEZ, DEMÔNIO!
Contrariado
e a muito custo, me coloco na horizontal e começo com o castigo ali
mesmo, no meio daquele bando de "cuecas" fedidos. Amaldiçôo
a mim mesmo por ter feito aquela escolha maluca de servir, o que
significava me submeter a isso e muito mais.
Acontece
que agora não tinha mais volta. Já era. Tinha de aguentar firme. É
como dizem os japoneses; "Xoganai". Ou, "o que
não tem remédio, remediado está".
Por hoje é isso, amigos!
Se gostaram, por favor divulguem. Isso me ajuda muito!
Críticas e sugestões sempre serão bem vindas. Se quiserem, deixem-nas nos comentários, está certo?
Grande abraço!
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