expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Crônicas de um recruta - parte 20

Bom dia, boa tarde, boa noite, pessoas!

     Vou começar lhes pedindo desculpas pela falta de posts a semana passada.

     "Sei, sei, é a sua agenda apertada..."

    Verdade, meus nobres, mas não foi só isto desta vez. Houve um imprevisto também. Mas este eu conto a vocês em outra ocasião. Mas o blog segue firme e forte, inclusive com aprimoramentos graduais, ainda que discretos num primeiro momento. 

     Muito bem, sem mais delongas, a parte vinte. Apreciem!




20

     Como assim, internato? Eu não me lembro de ter lido isto no prospecto que me foi dado pela Kayla! Será que pulei esta parte?...
Conforme anunciado, lá fomos nós outra vez até o "almox" pegar nossas coisas. Além das minhas roupas civis, foram acrescentados ao nosso "enxoval" uma muda extra de uniforme de combate completo igual ao que estávamos vestindo, mais um par de coturnos, duas mudas de uniforme de atletismo(que consistiam em shorts, camiseta e um par de meias grossas) e um par de tênis que nunca tinha visto antes, parecendo uma espécie qualquer de "conga". Ao receber minha tralha, dirigi-me à sala pegada ao "boteco" para abrir o armário onde estavam minhas coisas. Ao reuni-las em cima de um dos bancos, fiquei me perguntando como ia caminhar com aquele "bolo" todo nas mãos aonde quer que me fosse ordenado, quando somos chamados novamente até o guichê pelo "jagunço" para recebermos(Oh! Que beleza!) uma grande e camuflada mochila de campanha cada. E nos instrui:
     - Coloquem seus "trapos" todos dentro da mochila e ponham-na às costas! A toque de caixa!
Feito isso, formamos no pátio lá fora, já de frente pra a área do cerimonial, ao invés de ficarmos posicionados em direção da Erasto Gaertner, como de manhã.
Ouvimos a instrução:
     - Agora serão conduzidos até seus alojamentos, para a designação de suas camas e armários no dormitório reservado aos recrutas do batalhão. Sigam-me! Marchar!
Marchamos por uma boa parte daquele quartel, virando à esquerda na "curva da gororoba" e novamente à direita na "avenida" localizada na lateral esquerda do "20", que fica imediatamente após o muro de divisa com o CINDACTA II. Por onde quer que passássemos, seja na área do cerimonial, em frente da oficina, no pavilhão da administração, não importa, todos os militares que estão por ali nos olham, sem exceção. Somos um espetáculo à parte. Fico encucado, me perguntando porque despertamos esta reação. Mais tarde eu iria entender isto também... Seguimos por aquela via até um pavilhão onde estava escrito acima da porta principal na cor de sempre: "Pavilhão Ary Neurer"...
     - ALTO! - ordena o sargento.
Ele vai ao interior do prédio, presumo eu para se certificar de que tudo está em ordem, conforme aconteceu em todas as etapas pelas quais temos passado. Desta vez a volta do "jagunço" demora mais do que o costumeiro. Começo a sentir um cheirinho estranho no ar, além do que já vinha sentindo desde a hora da tosquia. Um "fedô de asa" miserável, que variava de acordo com a "carcaça" da qual emanava, e que chegava a fazer arder o nariz... Aí eu penso que não era pela visão, mas pelo olfato que a nós se dirigia toda aquela atenção. Tétrico...
     Ouço uns berros vindos lá de dentro. Praxe. Fico imaginando se o homem tem família e como a trata em casa. Será que é do mesmo jeito? Bom, não interessa. Finalmente ele volta e nos conduz até um grande dormitório no primeiro andar. Era um aposento bem grande, com mais ou menos uns 20 metros de comprimento por uns seis de largura, com camas em ambos os lados e um corredor no meio de aproximadamente dois metros de largura. Calculei mais de sessenta camas. Entre uma e outra havia um espaço de aproximadamente uns noventa centímetros, sendo que havia uma espécie de criado-mudo adjacente a cada uma. A inevitável faixa verde-oliva até um metro e meio de altura nas paredes, e o restante pintado de branco. Grandes janelas sem cortinas davam uma visão privilegiada da Base Aérea e de sua torre de controle. Recebemos mais instruções:
     - Na sala ao lado dessa há um vestiário, onde encontrarão seus respectivos armários. Coloquem lá a sua tralha. Estarei esperando-os no corredor. Façam isto rápido, ou ficarão sem janta! Vão!
Rapidamente executamos o ordenado e formamos no corredor. Dali somos conduzidos mais uma vez para o refeitório. O cardápio era o mesmo do almoço, sem tirar nem por. Novamente nos sentamos juntos eu e meus três companheiros. O primeiro que abre o verbo é o "russinho":
     - Caramba, velho! Nunca pensei que fosse aguentar aquela "carga" depois do rango! Você definitivamente é tão resistente quanto o meu avô! - exclama, com respeito sincero.
      - Não se impressione, velhinho. Nem eu sei como consegui aquilo. Houve um momento em que achei que minha cabeça ia explodir.
O Jackson entra na conversa:
      - Para um cara que nunca trabalhou no pesado, até que dá pro gasto... - zomba ele - de leve - só para me aborrecer.
     - E quem foi que te contou essa mentira? Já perdi a conta de quantas vezes fui "orelha seca" e de quantos caminhões de terra que "puxei" pra ganhar uns trocados a mais. - respondo.
     - Liga não, véio. Só tô te enchendo... - devolve, enchendo a boca com aquele grude.
     - Benza Deus! - implico eu, olhando a bandeja do "armário". - Isso é que é ter apetite! Tu não tinha comida em casa não?
Ele apenas sorri de boca cheia, enquanto pega sua caneca de suco para dar uma lubrificada na goela.
O Sandro apenas diz:
     - Você é duro na queda, Barbosão!
    - Valeu, cara! - fico sinceramente agradecido com o elogio. Vindo dele, que só abria a boca quando valia a pena, era uma "homenagem" e tanto!
     - E a que horas nós vamos poder descansar um pouco e tirar este "futum" do couro? - pergunta o Vinícius, dando um "confere" embaixo dos braços, emendando - A coisa tá ficando preta por aqui!
Olho em direção da mesa onde está jantando o sargentão e respondo pro russinho com ironia:
     - Tá a fim de ir lá perguntar?
     - "Cê" tá maluco, é? - responde.
    - Vamos limpar logo essas bandejas antes que o homem nos chame e dê caca outra vez. - interrompo, pegando as minhas "ferramentas".
     Sem nenhuma vontade, começo a socar na garganta aquela substância indigna de ser chamada de refeição. Seja como for, é melhor do que ficar sem comer. Como eu disse antes, Ciro dizia que não existe tempero melhor que a fome e tinha razão. Mas eu pergunto:

E quando o que é para ser comido extingue-a por completo?


Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário