Bom dia, boa tarde, boa noite, pessoas!
Vou começar lhes pedindo desculpas pela falta de posts a semana passada.
"Sei, sei, é a sua agenda apertada..."
Verdade, meus nobres, mas não foi só isto desta vez. Houve um imprevisto também. Mas este eu conto a vocês em outra ocasião. Mas o blog segue firme e forte, inclusive com aprimoramentos graduais, ainda que discretos num primeiro momento.
Muito bem, sem mais delongas, a parte vinte. Apreciem!
20
Como
assim, internato? Eu não me lembro de ter lido isto no prospecto que
me foi dado pela Kayla! Será que pulei esta parte?...
Conforme
anunciado, lá fomos nós outra vez até o "almox" pegar
nossas coisas. Além das minhas roupas civis, foram acrescentados ao
nosso "enxoval" uma muda extra de uniforme de combate
completo igual ao que estávamos vestindo, mais um par de coturnos,
duas mudas de uniforme de atletismo(que consistiam em shorts,
camiseta e um par de meias grossas) e um par de tênis que nunca
tinha visto antes, parecendo uma espécie qualquer de "conga".
Ao receber minha tralha, dirigi-me à sala pegada ao "boteco"
para abrir o armário onde estavam minhas coisas. Ao reuni-las em
cima de um dos bancos, fiquei me perguntando como ia caminhar com
aquele "bolo" todo nas mãos aonde quer que me fosse
ordenado, quando somos chamados novamente até o guichê pelo
"jagunço" para recebermos(Oh! Que beleza!) uma grande e
camuflada mochila de campanha cada. E nos instrui:
-
Coloquem seus "trapos" todos dentro da mochila e ponham-na
às costas! A toque de caixa!
Feito
isso, formamos no pátio lá fora, já de frente pra a área do
cerimonial, ao invés de ficarmos posicionados em direção da Erasto
Gaertner, como de manhã.
Ouvimos
a instrução:
-
Agora serão conduzidos até seus alojamentos, para a designação de
suas camas e armários no dormitório reservado aos recrutas do
batalhão. Sigam-me! Marchar!
Marchamos
por uma boa parte daquele quartel, virando à esquerda na "curva
da gororoba" e novamente à direita na "avenida"
localizada na lateral esquerda do "20", que fica
imediatamente após o muro de divisa com o CINDACTA II. Por onde quer
que passássemos, seja na área do cerimonial, em frente da oficina,
no pavilhão da administração, não importa, todos os militares que
estão por ali nos olham, sem exceção. Somos um espetáculo à
parte. Fico encucado, me perguntando porque despertamos esta reação.
Mais tarde eu iria entender isto também... Seguimos por aquela via
até um pavilhão onde estava escrito acima da porta principal na cor
de sempre: "Pavilhão Ary Neurer"...
-
ALTO! - ordena o sargento.
Ele
vai ao interior do prédio, presumo eu para se certificar de que tudo
está em ordem, conforme aconteceu em todas as etapas pelas quais
temos passado. Desta vez a volta do "jagunço" demora mais
do que o costumeiro. Começo a sentir um cheirinho estranho no ar,
além do que já vinha sentindo desde a hora da tosquia. Um "fedô
de asa" miserável, que variava de acordo com a "carcaça"
da qual emanava, e que chegava a fazer arder o nariz... Aí eu penso
que não era pela visão,
mas pelo olfato
que a nós se dirigia toda aquela atenção. Tétrico...
Ouço
uns berros vindos lá de dentro. Praxe. Fico imaginando se o homem
tem família e como a trata em casa. Será que é do mesmo jeito?
Bom, não interessa. Finalmente ele volta e nos conduz até um grande
dormitório no primeiro andar. Era um aposento bem grande, com mais ou
menos uns 20 metros de comprimento por uns seis de largura, com camas
em ambos os lados e um corredor no meio de aproximadamente dois
metros de largura. Calculei mais de sessenta camas. Entre uma e outra
havia um espaço de aproximadamente uns noventa centímetros, sendo
que havia uma espécie de criado-mudo adjacente a cada uma. A
inevitável faixa verde-oliva até um metro e meio de altura nas
paredes, e o restante pintado de branco. Grandes janelas sem cortinas
davam uma visão privilegiada da Base Aérea e de sua torre de
controle. Recebemos mais instruções:
-
Na sala ao lado dessa há um vestiário, onde encontrarão seus
respectivos armários. Coloquem lá a sua tralha. Estarei
esperando-os no corredor. Façam isto rápido, ou ficarão sem janta!
Vão!
Rapidamente
executamos o ordenado e formamos no corredor. Dali somos conduzidos
mais uma vez para o refeitório. O cardápio era o mesmo do almoço,
sem tirar nem por. Novamente nos sentamos juntos eu e meus três
companheiros. O primeiro que abre o verbo é o "russinho":
-
Caramba, velho! Nunca pensei que fosse aguentar aquela "carga"
depois do rango! Você definitivamente é tão resistente quanto o
meu avô! - exclama, com respeito sincero.
-
Não se impressione, velhinho. Nem eu sei como consegui aquilo. Houve
um momento em que achei que minha cabeça ia explodir.
O
Jackson entra na conversa:
-
Para um cara que nunca trabalhou no pesado, até que dá pro gasto...
- zomba ele - de leve - só para me aborrecer.
-
E quem foi que te contou essa mentira? Já perdi a conta de quantas
vezes fui "orelha seca" e de quantos caminhões de terra
que "puxei" pra ganhar uns trocados a mais. - respondo.
-
Liga não, véio. Só tô te enchendo... - devolve, enchendo a boca
com aquele grude.
-
Benza Deus! - implico eu, olhando a bandeja do "armário".
- Isso é que é ter apetite! Tu não tinha comida em casa não?
Ele
apenas sorri de boca cheia, enquanto pega sua caneca de suco para dar
uma lubrificada na goela.
O
Sandro apenas diz:
-
Você é duro na queda, Barbosão!
-
Valeu, cara! - fico sinceramente agradecido com o elogio. Vindo dele,
que só abria a boca quando valia a pena, era uma "homenagem"
e tanto!
-
E a que horas nós vamos poder descansar um pouco e tirar este
"futum" do couro? - pergunta o Vinícius, dando um
"confere" embaixo dos braços, emendando - A coisa tá
ficando preta por aqui!
Olho
em direção da mesa onde está jantando o sargentão e respondo pro
russinho com ironia:
-
Tá a fim de ir lá perguntar?
-
"Cê" tá maluco, é? - responde.
-
Vamos limpar logo essas bandejas antes que o homem nos chame e dê
caca outra vez. - interrompo, pegando as minhas "ferramentas".
Sem
nenhuma vontade, começo a socar na garganta aquela substância
indigna de ser chamada de refeição. Seja como for, é melhor do que
ficar sem comer. Como eu disse antes, Ciro dizia que não existe
tempero melhor que a fome e tinha razão. Mas eu pergunto:
E
quando o que é para ser comido extingue-a por completo?
Continua...
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