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segunda-feira, 13 de julho de 2015

Crônicas de um recruta - parte 23

     Olá, pessoas!

     Não me apedrejem, por favor! Lamento por fazê-los esperar tanto! Finalmente consegui reescrever o que foi possível e prosseguir com o restante.

" Poxa até que enfim, Kleber!"

     Até que enfim mesmo. Vocês estão cobertos de razão. Mas agora - quatrocentos reais e duas semanas depois - a situação está estabilizada. Depois desta "turbulência" fico feliz que - como "piloto" deste blog - posso comunicar-lhes que estamos outra vez em céu de brigadeiro.

     Sendo assim, sem mais delongas, façamos então a "escala" na parte 23 deste conto.

     Apreciem!



23

     Refeitório lotado. Parece que todo mundo resolveu aparecer mais cedo naquele dia. Minha alegria por sair do frio logo se dissipou ao sentir o cheiro daquele líquido eufemisticamente chamado de café. Um cheiro de casca de árvore queimada exalava daquele refeitório. A ele se adiciona, nos canecões em que nos é servido, uma espécie de leite de soja. Esta mistura chama-se kaholl, sabe-se lá por que diabos. Em seguida nos é dado um pão com uma espécie de margarina tão ordinária que mais parece sebo de boi derretido. Não há mais lugar nas mesas, de modo que eu e metade dos recrutas comemos em pé mesmo, encostados nas paredes do recinto.
     Nem termino de comer o meu pão quando o jagunço se levanta de onde estava, deixa sua caneca na janelinha da cozinha e ordena:
     - Atenção, recrutas! Postem-se imediatamente no lado de fora do refeitório!
     Obedecemos a ordem. De lá, marchamos novamente até a área do cerimonial, onde já estava no "aquecimento" a banda marcial. Em formação, ouvimos as instruções de como deveríamos nos portar, de que consistiria e como seria a cerimônia. Ele nos ordena ainda a dobrarmos as mangas da gandola.

" Ah! Mas que m****! "

     Já nem vou mais reclamar. Não adianta mesmo! Interessante é que sobre isso eu ouvi - muito tempo depois - (de uma amigo que tinha servido no CINDACTA II)que até hoje anda por lá um sargento antigão que sempre diz:

"Você só sofre quando tá sofrendo."

      Parece meio confuso, né? Mas eu explico. O que o velhote quis dizer com isso é que, já que o sujeito se encontra naquela situação, o melhor a fazer é resignar-se e fazer o melhor possível para que as coisas não fiquem ainda mais feias. Não adianta dar "pontapés contra as aguilhadas", é pior. Ou seja, "se abraça" e cumpre o dever no "padrão". Assim sofre-se menos.
     Mangas dobradas. A pele dos meus antebraços fica igual a de um frango depenado, com os pelos todos arrepiados. O frio penetra nela como milhares de pequenas agulhas. Noto que os "antigos" que estão por ali estão também com suas dobradas do mesmo jeito. E que, se estão sentindo alguma coisa, não estão nem aí. "Couro curtido". É a única resposta...
     - ATENÇÃO! SENNNNTÍDO! - grita o "jagunço", me tirando do "passeio."
     Se acercam de nós o capitão Sampaio e o major "Freddie Mercury" Langarotti. Segundo as instruções que já recebemos, são eles que nos conduzirão durante o primeiro "desfile" que faremos em nossa pobre existência.
    Chega a hora. Somos conduzidos para fora do "20". Paramos no passeio e aguardamos. Após alguns minutos, damos um "180" e voltamos pelo mesmo caminho de onde viemos. Logo após o "túnel" de entrada do batalhão, somos recebidos por soldados enfileirados dos dois lados formando um corredor, com os fuzis em bandoleira. Quando passamos por eles, o capitão e o major gritam:
     - BRASIL!
Ao que são respondidos pelos soldados do "corredor polonês". O major grita:
     - INCORPORADOS!
Ao que nós respondemos:
     - BRASIL!
     Continuamos a marchar até o início da Avenida Marochi, onde paramos, enfileirados em frente de outros pelotões e companhias diante do palanque onde estavam os "felpudos". Em seguida, o Hino Nacional. Após, um discurso gravado pelo General Ney da Silva Oliveira, que era o comandante do Exército naquele ano, seguido de um blábláblá insípido do comandante do "20" que durou um tempão. Depois, a banda recomeça a "marcha marcial" e lá se vamos nós a marchar por aquela cancha pretensiosamente chamada de avenida.
     Lá estou eu em ordem unida quando tenho a primeira surpresa do dia. A tenente Kaila lá estava. Quando a vi, senti um baita calor na face e no peito. Foi aí que me lembrei de estufá-lo, e fiz questão de olhar em sua direção. Seu olhar, que até então estava "ao infinito", abruptamente dirigiu-se a mim quando percebeu a minha presença, com um brilho que até então eu não tinha visto. Nossos olhares se cruzaram enquanto foi possível. E a cada segundo, sentia o "bobo" literalmente espancar a caixa torácica, tamanha a euforia que senti naquele momento(Kawabanga! Pelo jeito deixei uma ótima impressão!). Senti-me como o DiCaprio abraçando a Rose na ponta da proa do Titanic. Tive vontade de gritar ali mesmo:

" I'm the king of the world! "

     E o fiz. Em pensamento, é claro(posso ser louco, mas não burro!). Continuei marchando, como um orgulhoso tribuno numa procissão triunfal até o capitolium. Naquele momento - ínfimo momento - eu era o senhor do mundo. Imaginei-me o próprio Patton, o próprio Mascarenhas de Morais após a volta da FEB. Começo a pisar duro, marchando com entusiasmo e orgulho. Um autêntico pavão camuflado. Só que era pelos motivos "errados". Mas que se dane!
      Depois deste momento, ouço uma voz muito familiar que me chama; é Marquinho, o meu mano. Olho na direção de onde vinha, e quase caio de costas. Meus pais lá estão, aglomerados junto de uma centena de pessoas, familiares da "recaiada" que andava a passo de ganso naquele pseudo desfile. O velho nada diz, apenas ergue seu braço direito com o punho fechado, olhando no fundo dos meus olhos. E sorri.
     Me emociono. Nunca imaginava que eles viriam. Ainda mais o meu pai, tão desligado que foi a vida toda. É a primeira vez que vejo um gesto desta natureza dele. A primeira em que vi no seu semblante o que busquei a vida toda; orgulho. Orgulho de mim. Do que eu era. Do que poderia ser. Mais uma vez naquele ano, meus olhos se enchem de lágrimas. Só que desta vez são lágrimas de alegria. Não de tristeza por não ter passado no vestibular. Não por vergonha da minha condição humilde ante aos colegas que se originaram em famílias de posses. Não da humilhação de ser "vexado" por engraxar os sapatos dos pais de alguns dos meus "amigos" de cursinho ou trabalhar como servente de pedreiro na casa de um ou outro deles enquanto estudavam em seus quartos equipados. Não. Foram de alegria por sentir-me recompensado ao ver que aquela maravilhosa moça não só lembrou-se de mim, como deixou nítido que para ela não sou apenas mais um. Mas, principalmente por aquele gesto do velho que foi - na sua simplicidade - o mais poderoso. O meu norte. Minha motivação e razão de enfrentar o que quer que fosse para atingir meus objetivos nessa vida. Lembro-me de que desde então, sempre que eu iria tomar uma decisão importante, enfrentar dificuldades ou fazer algo que teria implicações de longo alcance, me retirava para um local reservado. E após muito meditar, fazia o mesmo gesto - como que "selando" minha decisão - infundindo-me coragem.
     Hoje, ele não está mais entre nós. Mas, enquanto eu viver, levarei comigo na memória aquele momento em que percebi que meu pai realmente me amava. E que aquele gesto era a suprema expressão do que ele sentia.

Até a próxima!

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