Olá, pessoas!
Não me apedrejem, por favor! Lamento por fazê-los esperar tanto! Finalmente consegui reescrever o que foi possível e prosseguir com o restante.
" Poxa até que enfim, Kleber!"
Até que enfim mesmo. Vocês estão cobertos de razão. Mas agora - quatrocentos reais e duas semanas depois - a situação está estabilizada. Depois desta "turbulência" fico feliz que - como "piloto" deste blog - posso comunicar-lhes que estamos outra vez em céu de brigadeiro.
Sendo assim, sem mais delongas, façamos então a "escala" na parte 23 deste conto.
Apreciem!
23
Refeitório
lotado. Parece que todo mundo resolveu aparecer mais cedo naquele
dia. Minha alegria por sair do frio logo se dissipou ao sentir o
cheiro daquele líquido eufemisticamente chamado de café. Um cheiro
de casca de árvore queimada exalava daquele refeitório. A ele se
adiciona, nos canecões em que nos é servido, uma espécie de leite
de soja. Esta mistura chama-se kaholl, sabe-se lá por que diabos. Em
seguida nos é dado um pão com uma espécie de margarina tão
ordinária que mais parece sebo de boi derretido. Não há mais lugar
nas mesas, de modo que eu e metade dos recrutas comemos em pé mesmo,
encostados nas paredes do recinto.
Nem
termino de comer o meu pão quando o jagunço se levanta de onde
estava, deixa sua caneca na janelinha da cozinha e ordena:
-
Atenção, recrutas! Postem-se imediatamente no lado de fora do
refeitório!
Obedecemos
a ordem. De lá, marchamos novamente até a área do cerimonial, onde
já estava no "aquecimento" a banda marcial. Em formação,
ouvimos as instruções de como deveríamos nos portar, de que
consistiria e como seria a cerimônia. Ele nos ordena ainda a
dobrarmos as mangas da gandola.
"
Ah! Mas que m****! "
Já
nem vou mais reclamar. Não adianta mesmo! Interessante é que sobre
isso eu ouvi - muito tempo depois - (de uma amigo que tinha servido
no CINDACTA II)que até hoje anda por lá um sargento antigão que
sempre diz:
"Você
só sofre quando tá sofrendo."
Parece
meio confuso, né? Mas eu explico. O que o velhote quis dizer com
isso é que, já que o sujeito se encontra naquela situação, o
melhor a fazer é resignar-se e fazer o melhor possível para que as
coisas não fiquem ainda mais feias. Não adianta dar "pontapés
contra as aguilhadas", é pior. Ou seja, "se abraça"
e cumpre o dever no "padrão". Assim sofre-se menos.
Mangas
dobradas. A pele dos meus antebraços fica igual a de um frango
depenado, com os pelos todos arrepiados. O frio penetra nela como
milhares de pequenas agulhas. Noto que os "antigos" que
estão por ali estão também com suas dobradas do mesmo jeito. E
que, se estão sentindo alguma coisa, não estão nem aí. "Couro
curtido". É a única resposta...
-
ATENÇÃO! SENNNNTÍDO! - grita o "jagunço", me tirando do
"passeio."
Se
acercam de nós o capitão Sampaio e o major "Freddie Mercury"
Langarotti. Segundo as instruções que já recebemos, são eles que
nos conduzirão durante o primeiro "desfile" que faremos em
nossa pobre existência.
Chega
a hora. Somos conduzidos para fora do "20". Paramos no
passeio e aguardamos. Após alguns minutos, damos um "180"
e voltamos pelo mesmo caminho de onde viemos. Logo após o "túnel"
de entrada do batalhão, somos recebidos por soldados enfileirados
dos dois lados formando um corredor, com os fuzis em bandoleira.
Quando passamos por eles, o capitão e o major gritam:
-
BRASIL!
Ao
que são respondidos pelos soldados do "corredor polonês".
O major grita:
-
INCORPORADOS!
Ao
que nós respondemos:
-
BRASIL!
Continuamos
a marchar até o início da Avenida Marochi, onde paramos,
enfileirados em frente de outros pelotões e companhias diante do
palanque onde estavam os "felpudos". Em seguida, o Hino
Nacional. Após, um discurso gravado pelo General Ney da Silva
Oliveira, que era o comandante do Exército naquele ano, seguido de
um blábláblá insípido do comandante do "20" que durou
um tempão. Depois, a banda recomeça a "marcha marcial" e
lá se vamos nós a marchar por aquela cancha pretensiosamente
chamada de avenida.
Lá
estou eu em ordem unida quando tenho a primeira surpresa do dia. A
tenente Kaila lá estava. Quando a vi, senti um baita calor na face e
no peito. Foi aí que me lembrei de estufá-lo, e fiz questão de
olhar em sua direção. Seu olhar, que até então estava "ao
infinito", abruptamente dirigiu-se a mim quando percebeu a minha
presença, com um brilho que até então eu não tinha visto. Nossos
olhares se cruzaram enquanto foi possível. E a cada segundo, sentia
o "bobo" literalmente espancar a caixa torácica, tamanha a
euforia que senti naquele momento(Kawabanga! Pelo jeito deixei uma
ótima impressão!). Senti-me como o DiCaprio abraçando a Rose na
ponta da proa do Titanic. Tive vontade de gritar ali mesmo:
"
I'm the king of the world! "
E
o fiz. Em pensamento, é claro(posso ser louco, mas não burro!).
Continuei marchando, como um orgulhoso tribuno numa procissão
triunfal até o capitolium. Naquele momento - ínfimo momento
- eu era o senhor do mundo. Imaginei-me o próprio Patton, o próprio
Mascarenhas de Morais após a volta da FEB. Começo a pisar duro,
marchando com entusiasmo e orgulho. Um autêntico pavão camuflado.
Só que era pelos motivos "errados". Mas que se dane!
Depois
deste momento, ouço uma voz muito familiar que me chama; é
Marquinho, o meu mano. Olho na direção de onde vinha, e quase caio de
costas. Meus pais lá estão, aglomerados junto de uma centena de
pessoas, familiares da "recaiada" que andava a passo de
ganso naquele pseudo desfile. O velho nada diz, apenas ergue seu braço
direito com o punho fechado, olhando no fundo dos meus olhos. E
sorri.
Me
emociono. Nunca imaginava que eles viriam. Ainda mais o meu pai, tão
desligado que foi a vida toda. É a primeira vez que vejo um gesto
desta natureza dele. A primeira em que vi no seu semblante o que
busquei a vida toda; orgulho. Orgulho de mim. Do que eu era. Do que
poderia ser. Mais uma vez naquele ano, meus olhos se enchem de
lágrimas. Só que desta vez são lágrimas de alegria. Não de
tristeza por não ter passado no vestibular. Não por vergonha da
minha condição humilde ante aos colegas que se originaram em
famílias de posses. Não da humilhação de ser "vexado"
por engraxar os sapatos dos pais de alguns dos meus "amigos"
de cursinho ou trabalhar como servente de pedreiro na casa de um ou
outro deles enquanto estudavam em seus quartos equipados. Não. Foram
de alegria por sentir-me recompensado ao ver que aquela maravilhosa
moça não só lembrou-se de mim, como deixou nítido que para ela
não sou apenas mais um. Mas, principalmente por aquele gesto do
velho que foi - na sua simplicidade - o mais poderoso. O meu norte.
Minha motivação e razão de enfrentar o que quer que fosse para
atingir meus objetivos nessa vida. Lembro-me de que desde então,
sempre que eu iria tomar uma decisão importante, enfrentar
dificuldades ou fazer algo que teria implicações de longo alcance,
me retirava para um local reservado. E após muito meditar, fazia o
mesmo gesto - como que "selando" minha decisão -
infundindo-me coragem.
Hoje,
ele não está mais entre nós. Mas, enquanto eu viver, levarei
comigo na memória aquele momento em que percebi que meu pai
realmente me amava. E que aquele gesto era a suprema expressão do
que ele sentia.
Até a próxima!
Nenhum comentário:
Postar um comentário