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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Crônicas de um recruta - parte 45

    Olá pessoal!

     Mais uma parte das aventuras do nosso "reco" preferido dentro e fora dos muros da caserna. Pois é, a vida dele está se complicando um bocado por conta das circunstâncias e consequentes decisões que ele está sendo obrigado a tomar...

     Como será que a coisa toda vai ficar? Vejamos...



45

       Apesar da tremenda indisposição a caixola está a mil fazendo – ou pelo menos tentando fazer – um plano. Até pedir guarida para meu tio passou-me pela cabeça. Imediatamente rejeito a ideia, porque com certeza ele avisaria os velhos na primeira oportunidade. E viriam com fúria, na certa. Aí a coisa toda poderia feder porque não estaria embaixo do seu teto e portanto não teria obrigação nenhuma de respeitá-los. É sério. Não toleraria outra surra dessas de jeito nenhum.
      Preciso mesmo é sumir, afastar-me por um tempo. Nesse caso, das duas uma; ou vou para uma pensão qualquer e alugo um quarto ou acho alguém pra rachar o aluguel em algo que valha a grana gasta para se morar nele. Como a segunda opção é inviável no curto prazo, fico temporariamente com a que restou. Próximo passo; Onde? Pois é. O ideal seria perto do “20”. O problema é que aaonde sei não há nenhuma nas redondezas e nem mesmo no bairro. Vou ter que reservar tempo para procurar, e isso terá de ficar para outra ocasião.
Interrompo o pensamento a cada nova onda de um misto de náusea e dores. Aspiro sofregamente o balsâmico ar gélido da manhã. Então ouço sons vindo de outra parte do terminal; é a lanchonete que está abrindo. Deduzo que devem ser umas 07:00. Por impulso resolvo sair daquela inércia, indo para lá. Sento-me num banquinho pegado ao balcão e coloco as mochilas entre os pés. A funcionária prontamente vem me atender:
      - Bom dia senhor. O que deseja?
Penso por um instante e respondo:
      - Tem água de coco?
      - Temos sim. O que mais?
      - Por um acaso tem aspirina ou algum outro remédio para dor de cabeça?
Ela pensa por um instante, olhando-me fixamente com um misto de curiosidade e comiseração:
     - Olha, moço, não tem. Mas deixa eu olhar na minha bolsa. Acho que trouxe de casa.
Dizendo isso, vai para os fundos da loja. Não demora a voltar, entregando-me a cartela e a água de coco que pedi.
      Tomo dois comprimidos de uma só vez. De canto de olho, noto que a atendente continua a me olhar aquele jeito, na falta de ter algo melhor para fazer, creio. Devolvo-lhe os comprimidos restantes com o melhor sorriso que pude fazer à guisa de agradecimento e peço outra caixa de água de coco. Só que desta vez, peço a de um litro. Bem gelada. Não importa de se estão fazendo 8 graus agora. Preciso desesperadamente de um isotônico para repor todo o líquido perdido e tirar este gosto de cabo de guarda chuva da boca. Nesse meio tempo, continuo a matutar quais serão meus próximos passos. Então olho no estande de jornais que já tinha sido posto para fora. Eureka! Devem ter anúncios de quartos para locar! Levanto-me, pego um exemplar da Tribuna e ponho-me a devorar os classificados à cata de um prospectivo novo “lar”. Depois de muito revirar, acho uma pensão com preço “cabível” dentro do meu exíguo orçamento. Pago pelo jornal e o que que consumi, indo para o orelhão mais próximo dar as tratativas.
      Tudo acertado, lá vou eu para o centro de Curitiba no primeiro expresso que apareceu. Desço na praça Eufrásio Correia, indo para a avenida Visconde de Guarapuava via Barão do Rio Branco. Então vou sentido Alto da XV até a Travessa da Lapa. Identifico o lugar pela placa; “Hotel Maia”. “Hotel”. Um eufemismo para um infecto prédio de esquina de três pavimentos, que provavelmente foi construído nos tempo do Brasil Império e cuja última pintura foi vista em bom estado pelo próprio Dom Pedro II, presumo. Ao entrar, vejo que o interior da estrutura seguia o padrão: Paredes trincadas e sujas, piso de linóleo antiquado e gasto, tapetes idem. No balcão que fazia as vezes de guichê de recepção, fui recebido por uma polaca quarentona de corpo mediano, parcamente vestida e mal ajambrada. Apresento-me, meio ressabiado:
      - Bom dia. Acho que conversei com a senhora mais cedo. Sou o Flávio Barbosa.
A mulher olha-me lascivamente de cima a baixo e então diz, com excelentes modos:
      - Bom dia, rapaz! Pode me chamar de você. Eu reconheceria esta sua bonita voz em qualquer lugar. Imaginei que o dono fosse charmoso, mas o que vejo superou as minhas melhores expectativas, devo dizer!

Bonito? Nesse estado? Essa coroa tá bêbada, louca, ou só viu ogro na vida!”

      Não dou a menor pelota para o que diz. Estou seco para cair na cama e dormir até que este mal estar horrível passe. Essa é a imperiosa necessidade de agora. Todo o resto fica para depois. Assino os papéis e o termo de compromisso. Pago o período e ela me dá em seguida o recibo de quitação adiantada. A coroa não para de falar um minuto, especulando, dando deixas marotas, sugestionando. Só se interrompe quando olha para um relógio de parede pendurado na parede oposta, ligando em seguida para um dos quartos, dizendo:
      - Tempo esgotado.
Achei estranho, mas não liguei os pontos de imediato. O acordo que faço é de aluguel de um quarto com banheiro privativo por uma semana. Que pode ser renovado semanalmente. O problema é que não se podia cozinhar nos quartos, e o estabelecimento não oferecia nenhuma refeição. Teria de me virar. “Bom” - raciocino - “é apenas temporário”.
Nisso, um casal vem descendo as escadas que conduzem aos pavimentos superiores. Eu disse casal? Tava na cara que a mulher era prostituta. Observo perplexo o sujeito pagar a conta do quarto e seguir caminho, só. A quenga ficou por ali, talvez achando que eu fosse um potencial cliente.

P*** que o pariu! Onde vim amarrar meu bode?”

     Só então compreendi que a “pensão” na verdade era um daqueles hoteizinhos ordinários de lata rotatividade que serviam de base de apoio para a prostituição sempre florescente no centro da cidade. Maldita estupidez. Olho repetidamente para a rapariga, a dona do estabelecimento e para o recibo. A coroa entende tudo numa fração de segundo e adianta-se:
      - Não se preocupe, querido. Tudo aqui só acontece por consentimento! Ninguém vai te incomodar, prometo! - diz, dando uma piscadela marota.
Estendendo-me a chave,completa:
      - Suba as escadas, siga o corredor até o final, porta à direita, quarto 18. Vai gostar da estadia meu bem, principalmente se fizer as escolhas certas! Tenho cer-te-za!
A desgraçada da polaca solta esta última frase com tanta carga de sugestão na voz que chega às raias do ridículo. Vendo o que se passava, a mulher da vida farejou que estava em território alheio. Assim, tratou de sair novamente para a caçada deixando-nos a sós. Maquinalmente olho para a chave em minhas mãos dizendo apenas:
      - Obrigado.
      - De nada, anjo! Responde – toda sorrisos.
     Maldita ingenuidade. Eu devia saber que o troço estava barato demais! Bom, mais uma vez “vou me abraçar com o diabo, já que estou no inferno.” É provisório, vou aguentar firme até achar um lugar melhor. Subo penosamente as escadas até onde seria meu cafofo temporário. Quando abro a porta, uma mistura de odores estranhos se apresenta. Mofo, desinfetante, poeira, banheiro mal limpo e alguns outros indignos de menção. Pelo menos a cama estava arrumada e com lençóis limpos. Tranco a porta, coloco as mochilas num canto e deito-me. Nova onda de náusea aparece, ainda que mais fraca. É a água de coco fazendo seu efeito. O colchão era mais confortável do que parecia e moído como estava, adormeci em questão de minutos.

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